Na abertura de um Congresso de Magistrados, o palestrante, referindo-se ao narciso que mora dentro de cada um de nós, disse: Quem nunca ouviu a clássica pergunta “sabe com quem está falando?”
Aí, lembrei-me de um longínquo dia em que ouvi essa pergunta. Saí do trabalho, já noite, debaixo de uma chuva torrencial, ensopada, fui a casa trocar de roupa, às pressas, atrasada que estava para uma prova que não poderia perder. Então, resolvi trafegar na contramão, um pedacinho à toa de uma rua minúscula e tranquila, que nem sei por que era contramão. Mal saí da garagem e entrei na rua, veio um carro com um farolzão à minha frente, fiquei com medo e parei, já antevendo a colisão, quando o motorista parou ao meu lado e disse, aos gritos: A SENHORA ESTÁ NA CONTRAMÃO! O meu narciso apareceu na hora, tamanha a raiva que se apossou de mim, e respondi, gritando: E DAÍ? O narciso dele retrucou: A SENHORA SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO? Não sei e nem quero saber, respondi e arranquei.
Pois é. Ninguém se livra do narciso.
A “Folha de São Paulo” publicou, recentemente, uma pesquisa em que mostra a animosidade entre passageiros de elite e os de classe econômica nas viagens aéreas. Comportamentos raivosos são demonstrados em ambas as classes. Mas de acordo com a pesquisadora, indivíduos de classes mais altas muitas vezes fazem comparações absurdas com os mais pobres, lembrando seu status de elite, num comportamento egoísta e desdenhoso.
É sempre o narciso falando mais alto.
A propósito, dia desses, no aeroporto de Vitória, estávamos o colega Hélio Mario e eu na fila de prioridade, aguardando pacientemente a nossa vez, quando, à frente da moça que estava atendendo ao guichê da empresa aérea, postou-se um homem alto e forte, apresentando seu bilhete. A moça, então, mostrou-lhe a fila a que estava atendendo e ele resmungou irritado: Vou ter que ficar nessa fila enorme? Eu, inocentemente, querendo ajudar, disse, feito uma boba: É a fila de atendimento preferencial.
Narciso, então, soltou sua pérola matinal, com o maior desprezo: SOU DIAMANTE, MINHA FILHA!
O infeliz, além de prepotente, é mal informado, porque não sabe que a preferência da lei precede à da empresa aérea. Ou seja, é a preferência da preferência.
Apenas rimos diante de tamanha petulância e ele saiu danado da vida.
Bem-feito!
Maria Francisca – maio de 2016.
Attilius
27 de julho de 2016 às 15:55
Ao ler a cronica da Francisca lembrei-me, neste momento, de uma palestra do eminente professor, filósofo, educador universitário e demais coisas da vida, Mário Cesar Cortella, ministrada a uma platéia do Banco do Brasil, falando sobre a nossa insignificância em relação ao universo.Tema “Sabe com quem está falando?”. E chegam esses personagens carimbados dando “carteiradas” por aí afora, sendo que todos somos uns sub-raças de micróbios que habitam os vermes infinitamente microscópicos que dão no sovaco de outros micróbios (palavra antiga, não?) próprios das pulgas anãs… se achando os “reis da cocada preta” do universo… pensando que Deus fez tudo só para eles!!! Ora, pipocas !
.Geraldo de Castro pereira
27 de julho de 2016 às 16:59
Gostei de sua crônica, Francisca,Eu também já encontrei na vida vários tipos, como o descrito em seu belo texto. Parabéns
mariafrancisca
28 de julho de 2016 às 20:18
Obrigada, Geraldo. Um abraço.Espero sempre sua visita.
rosa cardoso
27 de julho de 2016 às 19:43
Sempre terei todo o tempo e prazer em ler suas cronicas, alias ler relatos de fatos do cotidiano de forma elegante e engraçada é um prazer. Todo Narciso acha Tem tudo, basta-se a si mesmo.
Pobre infeliz, vive na solidão; evita qualquer aproximação, não respeita a sociabilidade. É imerso em si, anula a alteridade.
mariafrancisca
28 de julho de 2016 às 20:20
Obrigada, Rosa. Quando vem me visitar (fisicamente- Rs)?
rosa cardoso
23 de agosto de 2016 às 21:24
vou marcar para tomarmos um café, será um maravilhoso café com prosa.
José Eduardo
27 de julho de 2016 às 20:33
Hahahaha bem feito mesmo!
mariafrancisca
28 de julho de 2016 às 20:21
Você deve sempre estar às voltas com algum…rsrsrs. Um abraço.
Ricardo Menezes Silva
28 de julho de 2016 às 09:49
Sair de casa, hoje, exige um enorme esforço de tolerância e paciência. A cada dia a competitividade e o “jeitinho brasileiro”roubam a cena… o texto demonstra que bom senso é um produto em desuso… interessante, ao final, que seu texto, Maria Francisca, ao invés de produzir faíscas, instiga a piedade. Parabéns, mais uma vez, pela leveza que, aliás, é sua impressão digital nos textos e na vida. Grande beijo do Ricardo
mariafrancisca
28 de julho de 2016 às 20:26
Grata, Ricardo. Um abraço.
Regina Lúcia
28 de julho de 2016 às 10:54
Bom dia, amiga!
Eu confesso que às vezes o meu narciso fala mais alto . Estou dizendo “às vezes” por que tenho feito um esforço diário para convencer narciso que a intolerância não nos leva a lugar nenhum! Estou de olho! Bom dia !
mariafrancisca
28 de julho de 2016 às 20:26
É, Regina, fique de olho! Esse narciso anda à solta e pode pegar qualquer um …rsrsrs. Obrigada. Um abraço.
Soraya Santos Belo
9 de agosto de 2016 às 20:48
Tia Chica adoro suas crônicas, tudo bem que sou sua fã número um – o que poder gerar suspeitas – mas ninguém precisa saber disso, kkkk, mas independentemente desse fato e da admiração absurda que essa sua sobrinha aqui tem pela senhora, o texto é realmente muito bom, beijos, muitas saudades.
mariafrancisca
11 de agosto de 2016 às 14:40
E você é meu xodó, Soraya. Sempre foi. Obrigada.Saudades também.Beijos.
Natalicia Gaze
3 de fevereiro de 2017 às 19:48
Adorei sua crônica , como sempre, imperdível.
Parabéns.
Saudades.
Natalicia
mariafrancisca
4 de fevereiro de 2017 às 21:15
Oi, Natalícia.
Que bom que gostou. Obrigada.Espero, sempre, sua visita.
Saudades também, minha amiga. Quando puder, venha me visitar. Você tem meu telefone no grupo de Whatsapp.
Beijos.