Maria Francisca - Blog da Maria Francisca Lacerda, escritora e poeta.

 18 de novembro de 2024 

Acordei cedo.
O dia muito claro, os passarinhos saíram do sério, acordaram antes do sol e resolveram me alegrar, numa terna algazarra na varanda.
Fiquei ali parada alguns minutos, ouvindo a algaravia. E o pensamento voando, como pássaros sem rumo.
Voei, voei e resolvi voltar.
Levantei-me, cuidei do café, fiz meu desjejum e fui para a academia para meus exercícios matinais, visando tirar a ferrugem dos membros, principalmente inferiores, que já brigam contra a velhice.
Lá é uma festa, sempre. Muitos se conhecem e são tantos os bons dias alegres que os exercícios ficam menos pesados.
Comecei a trabalhar os músculos e, ao sair de um aparelho, um lenço que carrego sempre, caiu no chão e alguém alertou: Olhe, caiu um papel no chão.
Uma moça forte, malhada, estruturada, como diz uma amiga, senhora de si, estava perto de onde eu estava, e disse à que alertou: é daquela senhorinha que malhava ali na extensora.
Peguei meu lenço no chão, agradeci, mas minha vontade era perguntar à moça o que significava aquele tratamento: ‘senhorinha”. Eu conhecia diversos pronomes de tratamento, mas aquele era pronome de “destratamento”.
No dicionário, não há o significado da palavra dita pela moça.
Já tratei disso numa outra crônica. Da mudança do sentido das palavras e da infantilização do idoso.
Senhorinha, hoje, é um termo comum, mas, para mim, é pejorativo. É uma forma de reduzir a importância da pessoa idosa.
Não dei qualquer resposta à moça, por covardia, medo de virar ”barraco” ,já que as pessoas vivem “armadas”, por ser uma pessoa dita gentil (que sina!), mas fiquei com uma raiva danada.

Em verdade, o meu aborrecimento, minha raiva, melhor, nem foi tanto pela palavra usada, mas pelo tom da voz que, em vez de “aquela senhorinha”, soou como “aquela coisinha”. Tom de desprezo.
Como disse Aurê Aguiar, em crônica no Jornal “A Gazeta” de 01.12.2023, vivemos a era da deselegância.
Quando saí da dita Academia, hoje, diferente do ânimo da entrada, estava reduzida a ossos de minhoca, usando um termo antigo, já que engoli a ofensa. E engolir sapo não é minha predileção, pois política não sou, nem quero ser.
Na rua, para me acalmar, procurei na mente o canto dos pássaros pela manhã, e o que diria minha mãe: “Deixe pra lá. Urro de burro não chega ao céu!” Ri sozinha, segui meu caminho, a pensar naquela algaravia da madrugada que me deixou tão feliz.
Ao chegar em casa, por incrível que pareça, tocava uma música comandada pela Alexa que eu havia esquecido ligada em músicas religiosas. Ouvi tudo e conclui, como na música final: a vida é bem mais do que o mundo ensina.
E fiquei em paz.

Maria Francisca, dezembro de 2023.

 

 6 de outubro de 2024 

 

Mentiram-me.
Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente

A implosão da mentira (Affonso Romano de Sant’ana)

 

Eu vivo em estado flutuante.

Acolho uma coisa como verdade, daí a pouco, a verdade vira  mentira. O que penso ser mentira, daí a pouco vira  verdade.

Não há notícia de jornal, impresso ou virtual, em que se possa acreditar, sem a eterna pergunta: Será que é verdade? Não se pode crer sequer nos sites que pesquisam se uma notícia, um vídeo, são verdadeiros.

Hoje, estava ouvindo aquela música de Oswaldo Montenegro, A Lista.  Tem uma parte da letra que diz assim:  Quantas mentiras você condenava/ Quantas você teve que cometer. Sim, quem nunca mentiu?

Dirá: Exame de consciência nesta hora?  Por que não?

Até as mentirinhas antigas de nossas mães e avós para se livrarem de visitas indesejáveis. Vassoura atrás da porta que, muitas vezes, causaram saia justa, quando uma criança esperta dizia: Mãe, por que aquela vassoura está atrás da porta?  Até aquelas por necessidade mesmo, por caridade a uma pessoa com doença grave, ou para esconder algum pequeno erro próprio ou alheio.

Em questão processual, tem-se a falácia da verdade real.  Que verdade real que nada! Existe? Fatos são fatos, e a versão dos fatos depende do olhar e da interpretação de cada um. A verdade, ali, é apenas provável. O Juiz, coitado, tem que se contentar com a prova dos autos, que ele também vê e com os olhos que tem. Muitas pessoas pensam que o juiz tem bola de cristal. Quantas vezes já ouvi: Mas era mentira! E foi uma injustiça! Como saber? Prova testemunhal, então… E se a testemunha contou mentira, uma mentira tão bem contada que pareça verdade?

A insanidade tomou conta do mundo. E, para os desajuizados, nada mais irritante que o juízo, como diz Mr. Bahu, personagem de Aldous Huxley, em “A Ilha”. E nesse caso, “No país dos insanos, o homem perfeitamente integrado não se torna rei”. Da mesma forma, mostra José Saramago, em “Ensaio sobre a Cegueira” (que já citei em crônica anterior): Em terra de cego, quem tem olho não é rei.

Quando essa insanidade não prejudica a vida de alguém, tolera-se, mas o que se tem visto é a exposição indevida de pessoas, sujando a sua honra, sua dignidade. Ou quando se mente em processos, principalmente os criminais, empurrando um inocente para a cadeia, senão para a morte.

Saber o que é verdade está difícil, cada vez mais.

Segundo a parábola, atribuída a Jean-Léon Gérôme, escultor e pintor francês, a mentira, vestida de verdade, anda por aí, sem que ninguém a intercepte. E a verdade parece ter se escondido, com vergonha da nudez, mas talvez nós é que talvez tenhamos vergonha, ou medo, da nudez da verdade.

Na “Ilustrada” de março de 2013, Inácio Araújo, numa crítica ao filme A marca da maldade, de Orson Wells, diz que, a partir da disputa entre dois personagens Quinlan x Vargas, Welles lança a questão que atravessa toda a sua obra: onde está a verdade e, aliás, o que é ela? E complementa: “O mundo se abre a partir da dúvida sistemática lançada pelo incomparável Welles”

Mas quando Jesus se apresentou diante de Pilatos, por obra e graça dos “donos” do Templo, à pergunta do Governador, se Ele era rei, a resposta foi (segundo João-18,37): “Sim, eu sou rei. É para dar testemunho da verdade que vim ao mundo. Todo o que é da verdade, ouve a minha voz”. Mas Jesus não respondeu à pergunta de Pilates sobre o que era a verdade.

Hans Kelsen (O que é Justiça?) disse que, cético, o Governador não esperava a resposta.

Se Jesus tivesse dito o que era a verdade, teria mudado algo? Não sei.

Afinal, como disse o juiz-poeta Francisco Barbosa, em Veritas: Busco verdade/Mas como sabê-la se todos dizem tê-la?/ Cada uma, dentre pares, nenhuma/ Melhor, então, manter a procura.

Há mentiras e Mentiras. Umas trazem consequências funestas. E, hoje, vivemos um tempo assim.

E seguimos flutuando…

Maria Francisca – março de 2023.

 4 de outubro de 2024 

 

Hoje, estava num sono gostoso, quando um  pássaro deu um trinado tão alto na varanda do meu quarto, que acordei assustada. Era um bem-te-vi. Olhei o relógio: 5 horas.

Ah, bem-te-vi danado! Eu queria dormir mais…

Eu o escuto cantar todos os dias, por volta das 6, um pouco mais longe, no terraço, logo acima do meu apartamento.

Hoje estava diferente.  Parecia aflito. Deu a impressão de que estava gritando, que era um anúncio de um perigo. Após o trinado, ou grito, outros bem-te-vis começaram a cantar e saíram todos em revoada como se fugissem de algo.

Já li em algum lugar que esse belo pássaro costuma alertar os demais sobre a presença de um predador. Mas qual é o predador dessa linda figura?

Gato doméstico é o primeiro, penso. Corujas e gaviões também costumam perseguir esses belos passarinhos.

Mas gato de rua por aqui não tenho visto. Corujas e gaviões, nem notícia.

Fiquei a pensar: o que terá acontecido?

Talvez ele seja um líder, porque todos saíram em revoada ao primeiro grito dele. Poderia não ser somente medo.  Ou, então, quem sabe ele estava cortejando alguma bem-te-vi,  e algum companheiro tentava passar na frente dele na conquista?  Sabe-se lá.

Fiquei interessada e fui ler mais sobre esse lindo pássaro. Fala-se que ele é amistoso  com outros  bem-te-vis, mas com  outros pássaros, nem sempre.  Já se conta história de ataque a ninhos de outras aves… Uma pena, porque um pássaro tão lindo, pensa-se que é pacífico, e é a imagem que sempre passou, porque já inspirou canções. A mais conhecida é Jardim de Fantasia de Paulinho Pedra azul que eu, inclusive, já cantei num coral de que participava faz tempo.

Inspirou, também, crônicas e poemas. Cecília Meireles, por exemplo, fala, numa interessante crônica,  de um bem-te-vi que uma criança chamou de gago.

Então, como pode ser capaz de atacar ninhos de outras aves?

Mas, esqueçamos essa parte, e fiquemos com a maravilha do pássaro que é um líder, já inspirou bela canção, me acorda todas as manhãs, e certa vez,  me despertou de um pesadelo. Por isso dei-lhe o apelido de oásis, num poema.

Maria Francisca – setembro de 2024.

 

 

 

 3 de setembro de 2024 

 

Há  alguns anos, participando de uma reunião no Santuário Divino Espírito Santo, ouvi de um padre que trabalhava na Amazônia, a seguinte frase: “Quando sobra alguma coisa  em algum lugar, falta a mesma coisa em outro”. E deu exemplos. Uns muito ricos (bolsos cheios) e outros muito pobres (bolsos vazios). E até com número de padres essa história se repete, porque aqui há tantos padres e, lá nos confins da Amazônia,  quase nenhum.  Arrematou.

Esta frase: “Quando sobra em algum lugar, falta em outro”, jamais saiu de minha mente. Porque vejo isso todos os dias.

Nesse período de carnaval, por exemplo. A gastança de dinheiro, bebidas, roupas, fantasias, e a fome de muitos. Mas o povo gosta, mesmo os que passam por situação difícil. Volta a questão: Pão e circo?

Pior, no próprio carnaval, há o lado B, como li numa reportagem de hoje, no Uol (Carnaval Salvador: ambulantes dormem na rua e ficam sem banho e comida (uol.com.br)

O carnaval deve movimentar cerca de 2 bilhões de reais e atrair mais de um milhão de turistas, dinheiro que não acaba mais e turistas se divertindo a mais não poder. Isso é bom.

O lado ruim: nos bastidores da festa, sofrimento. Os ambulantes que precisam trabalhar nessa maravilhosa festa passam por condições humilhantes.

Para garantir uma vaga no circuito Barra-Ondina, eles precisam dormir na rua, nas calçadas, sem qualquer condição de higiene,  para garantir seus lugares. Há quem  chegue lá dois meses antes.  E ali ficam morando,  antes e durante o carnaval, no maior sofrimento, para garantir o trabalho e a renda. Além da comida que precisam comprar, devem pagar sete reais para tomar banho, nos estabelecimentos próximos.

Shows caríssimos pagos por prefeituras de cidades pequenas do interior, onde falta de tudo na saúde, na educação, na infraestrutura. Um desses shows foi suspenso, recentemente, pela Justiça, numa cidade do interior da Bahia. (Justiça manda cancelar show de Gusttavo Lima na Bahia (poder360.com.br). O valor a ser pago era incompatível com o orçamento da Cultura, como consta da notícia.  Apesar da judicialização da política, que muitos criticam, quem pode pôr fim a esses descalabros?

O povo gosta, vai aos shows, sem nem pensar no prejuízo para eles próprios.

Andando pelo calçadão da Praia da Costa, vejo sempre carros da polícia, parados, ligados, como prontos ao atendimento, mas isso falta nos bairros de periferia, onde vemos, todos os dias, os acontecimentos nefastos.

Outra questão que me assusta: mulheres jovens, com crianças nas ruas, ora vendendo docinhos, um disfarce para pedir. Com a criança, é como se dissesse: olhem, estou precisando para essa criança. A Prefeitura gasta tubos para colocar sinal luminoso, em ruas esburacadas, onde nem gato passa, e não cuida dessas questões. Por que não investem mais em áreas mais urgentes? O serviço social deveria estar mais atento a essas crianças que são exploradas por mães, avós, estranhos etc.

E nem estou falando dos milionários!

O excesso de um é a carência de outro!

Maria Francisca  – fevereiro de 2024

 

 10 de julho de 2024 

 

“Os Passos de Anchieta” é uma caminhada de 100 km, de Vitória à Terra do Santo Anchieta. São 4 dias de estrada. Segundo seus historiadores, os andarilhos percorrem o caminho que Anchieta teria percorrido sempre a pé, da Catedral até a Cidade com seu nome.

Fui andarilha desse caminho por muitos e muitos anos. A pandemia tirou-nos muita atividade, e essa caminhada, que perdi por inércia, foi uma delas. Claro, pretendo retomar, tão logo restabeleça minha força física.

Lembro-me bem e já escrevi sobre isso – Caminhos: prosa e verso, de 2013– sob sol ou chuva, íamos nós pelas areias das praias, ora queimando os pés, ora encharcados de chuva, ora saltitando para não sermos picados por ferrões dos crustáceos ou correndo sobre a restinga, fugindo dos espinhos de arbustos.

Em alguns trechos do caminho, não era possível ir pela praia, simplesmente por não ter praia, ou por haver tanta pedra que seria impossível transitar por ali. Então, subíamos morros, passávamos em florestas, ou por ruas dos bairros.

De vez em quando, algumas casas abriam suas portas para receber os andarilhos que podiam usar sanitários, beber água, ou mesmo descansar. Ocorre que muitos desses andarilhos abusavam da hospitalidade e, depois de algum tempo, ninguém mais queria abrir as portas.

Quando alguém precisava fazer uma necessidade fisiológica, tinha que ir ao mato, mesmo, correndo risco de se ferir ou ser picado por algum inseto.

Certa vez, eu precisava ir ao banheiro, o lugar por onde passávamos era habitado, havia muitas e muitas casas e todas fechadas, como sempre, nesse nosso mundo moderno, onde o medo impera e ninguém  descuida.

Entretanto, havia um grande portão, por onde vi, de longe,  diversos andarilhos entrando e saindo. Quando eu estava quase chegando perto, o portão fechou-se com um estrondo e  alguém gritou: Ninguém mais entra!

Cheguei perto, olhei pra todos os lados. Ninguém por ali. Devagarinho, empurrei o portão. Milagre! Abriu, silenciosamente. Entrei, olhei para todos os lados. Ao fundo do terreno, vi uma casa. Fui em sua direção.

Lá chegando, fiquei a pensar: bato à porta ou não. Bato, resolvi. Só então vi que a porta estava aberta. Outra indecisão: entro, não entro. Decidi: entro.

Entrei, e uma surpresa me aguardava. Era uma grande cozinha e uma família estava à mesa, aliás, uma bela mesa, cheia de guloseimas.

Todos me olharam assustados. Parei, olhei para todos, sorri e disse: A Paz esteja nesta casa!

A porta abriu-se para mim. Todos se levantaram e me convidaram a sentar à mesa. Agradeci e disse que precisava apenas de um copo de água e de ir ao banheiro.

Mostraram-me onde poderia usar o sanitário e, na volta, um copo de água completou a gentileza daquelas pessoas.

Agradeci e sai.

Carreguei comigo, até o fim do caminho, a leveza que senti após o cumprimento de Paz, que ainda sinto, quando me lembro daquele momento.

E, hoje, especialmente, lembro-me dessa história, por ser dia dedicado a Francisco de Assis, o Santo da Paz.

 

Maria Francisca – 04 de outubro de 2022.

 

 17 de maio de 2024 

Quando visitei a Babilônia (as ruínas), fiquei impressionada. Gente do mundo inteiro naquele lugar,  tanto que muita língua ali falada não se distinguia.  Parecia a Torre de Babel de que fala a Bíblia, e que alguns historiadores tratam como mito da fundação dos hebreus.

Quando nós falávamos, as pessoas olhavam como se  desejassem saber qual língua estávamos falando.

A História geral estava ali.

E quando estive no Egito e visitei as pirâmides? Fiquei parada longo tempo diante daquela obra majestosa e me perguntando: como puderam construir essas pirâmides?

O Cristo Redentor, a Estátua da liberdade, e assim, maravilhas no mundo todo e o que falar do Convento da Penha, aqui no ES?  No alto de um imenso penhasco.  Como se construiu aquele monumento histórico? Como foi? Que ideia magnífica! E que lugar lindo!

Tudo construído pelas mãos dos homens, com muito sofrimento dos escravizados. O sistema era assim e a única possibilidade que podemos pensar é que foram eles, os escravizados, que construíram todas aquelas imensas obras, com  a ideia dos entendidos daquele tempo.

Mas temos belezas naturais muito, muito mais belas…

O mar, que fica ali noite e dia, aquela beleza toda, e ninguém se importa!

Quando olho o mar, lembro-me de uma amiga, quando viu essa beleza pela primeira vez. Postou-se  de joelhos, com as mãos para o alto, em louvor a Deus.

E, hoje, relendo “O livro dos abraços” de Eduardo Galeano, deparei-me com o texto “A função da Arte/1”. Só transcrevendo, para ser fiel à perfeição dos escritos.

“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para descobrir o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.

Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.

E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

Me ajuda a olhar! “

Não me canso de admirar aquele vaivém do mar, as espumas rolando na areia, o barulho manso e tranquilo das ondas leves! Outra hora, altas ondas caindo com estrondo na praia. Perco-me na varanda, ou na beira da praia, olhando…

E as cachoeiras?

Estive em Foz do Iguaçu e fui visitar as Cataratas… Extasiada, foi a palavra que pode ser usada para minha atitude, naquele momento. Fiquei ali, parada, olhando, olhando, não queria mais sair. Quando passei para o lado da Argentina, meu Deus! Que coisa maravilhosa! Não conseguia despregar-me daquele lugar. Meus olhos eram só lágrimas, diante daquela beleza indescritível.

Qualquer cachoeira, mesmo pequena, me atrai. Quando vejo uma queda d’água, já quero ir chegando perto e enfiando a minha cabeça ali.

Agora, uma queda d’água daquelas das cataratas…

Os olhos não deram conta de apreciar as belezas. Só o coração.

Eu precisei  pedir ao Pai, como o menino: “Me ajude a olhar!”

 

Maria Francisca – março de 2024.

 29 de março de 2024 

 

Elevo meus olhos ao alto e vejo-te. Elegante, altivo, quase petulante. Imagino-te longe, bem longe, distante dos mortais, tamanha a tua beleza e imponência.

Crio coragem e resolvo visitar-te.

Subo aquela ladeira de pedra, a famosa Ladeira da Penitência, passo a passo, chego cansada ao alto, mas extasiada pela beleza do lugar. Olho ao redor, vejo o Exército, a Marinha, a Ponte, sigo o olhar para Vitória, seu belo mar, retorno o olhar para o Morro do Moreno. Só beleza.

Subo a escadaria, olho para o outro lado e vejo Vila Velha, seu mar, suas praias.

Fico ali pasma, banzando!

Entro na Igreja.  Sem sentir, ajoelho-me frente ao altar. Tudo é silêncio, convite à oração. O coração aquieta-se e penso em Maria: Nossa Senhora da Penha. Nossa Senhora das Alegrias está na Igrejinha de São Francisco, no Campinho.

A curiosidade, junto à religiosidade adquirida desde a infância, instiga o desejo de conhecer a tua história, Convento da Penha! Pois já não estás tão distante. Pareces amigo.

Nasceste de um sonho de Frei Pedro Palácios, Frade Franciscano, pela sua devoção à Nossa Senhora das Alegrias, cujo quadro trouxe da Europa e foi colocado na Igrejinha de São Francisco, lugar onde escolheu ficar, segundo a lenda. Diz-se que o quadro sumiu algumas vezes e sempre aparecia no alto do morro, entre duas palmeiras. Frei Pedro decidiu, então, que ali deveria construir uma capela, onde foi pendurada a pintura.

Depois, foste construído, sobre esse penhasco, e uma grande imagem de Maria, trazida de Portugal pelo mesmo Frei, fora ali colocada, com o nome de Nossa Senhora da Penha.

O escritor e historiador Francisco Aurélio (http://g1.globo.com/espirito-santo/festa-da-penha/2016/noticia/2016/03/lenda-de-imagem-de-nossa-senhora-conta-historia-do-convento-da-penha.html) afirmou  que o  nome foi dado pelo povo, uma vez que Igreja ficava sobre um rochedo, ou seja, na Penha.   Quem ia ao Convento dizia, segundo ele: Vou à Igreja que fica na Penha. E Maria recebeu o nome de Nossa Senhora da Penha e tu ficaste com este belo nome: Convento da Penha, guardado, desde sempre, pelos Franciscanos, devotos, como São Francisco, de Nossa Senhora das Alegrias.

Ficaste tão famoso com Nossa Senhora da Penha que todos os anos há uma festa que atrai milhares de pessoas, de todos os cantos do Estado e do País, para louvar Maria e, dizem, é a terceira festa religiosa mais importante do Brasil.

Hoje, moro em Vila Velha e vejo-te como amigo. Belo como sempre, mas perto, bem perto de mim, para admirar-te quando olho para o alto, ou quando te visito, subindo, arfando, tuas ladeiras, sempre em oração, aproveitando os momentos de paz e alegria, e daquela bela floresta que te rodeia, sempre sob os auspícios de Nossa Senhora das Alegrias.

De lá, vejo as cidades e admiro os prédios, as ruas, os mares… Faço minhas orações, contemplo o mundo, penso na vida, nos humanos e seus mistérios.

E sinto-me no céu.

Maria Francisca –  do livro: “Nossas Cidades: Corpo e alma.

 23 de março de 2024 

Neste verão,  estamos sempre falando do calor e das chuvas, que arrasam diversos lugares, caindo aqui, perto de nós, um pouco mais leve, apesar de fazer sofrer  pessoas de outros bairros.

Conversando com meu amigo José Luiz sobre essas questões, lembramo-nos daqueles  que sabem dizer se vai chover, se vai ter sol, pela simples  observação. Os “meteorologistas” práticos. Falei sobre o  rapaz que trabalha aqui no prédio e que  nós chamamos de meteorologista, porque ele fica a dizer: hoje não vai chover. Estamos com vento sul. Outra hora: hoje vai chover, o vento está virando…

Meu pai, um agricultor experiente e sensível, olhava para o céu e dizia: Hoje vai chover. Como sabe, papai? Névoa na serra, chuva na terra, dizia. E quando não vai chover, como é? Névoa baixa, sol é que racha…

E ele acertava sempre.

Mas há mais coisas entre o céu e a terra do que pensa a nossa vã filosofia, teria dito Shakespeare.

Exemplo: as benzedeiras. Elas benzem os trovões, conseguem abrandar o vento… Isso dizem os crédulos. Eu nunca vi. A única notícia verdadeira  que sei de alguém parar o vento foi Jesus.

Em lugares distantes, faltam médicos. Quem atende o povo? As benzedeiras, claro. Uma febre de uma criança, uma  alergia…O que fazer, se a pobreza não permite à pessoa levar o filho ao médico numa cidade, mesmo perto? Outro exemplo: As parteiras…  Todos nós, meus irmãos eu, viemos ao mundo por parteiras…

Das simpatias, todo o mundo conhece  histórias esdruxulas.

Fui procurar no google e encontrei coisas interessantes.

Por exemplo: Há quem ache que pode conquistar o coração de outra pessoa colocando o seu nome num pires com açúcar e acendendo uma vela. Também se pode colocar uma vassoura atrás da porta de casa quando um visitante indesejado vai embora, de modo que ele nunca mais volte. Há outras: . É o caso das ferraduras, dos pés de coelho, dos ramos de arruda e dos trevos de quatro folhas, espada de São Jorge que, segundo a sua simbologia,  é um escudo para a casa contra energias negativas, além trazer prosperidade aos habitantes.

Agora,  lá vem uma dessas  histórias, e essa é das boas.

Meu  amigo José Luiz Schneider contou-me esses dias, e garante que é verdade.

Ele tinha um sítio, onde criava gado. O  pasto era uma maravilha, sempre novo.  Era dividido em partes. Os animais eram levados para o lado onde o capim estava melhor. Ficavam ali, alimentando-se, até que ficasse liso, quando eram levados para o outro lado. Ocorria o mesmo, até a última parte. Quando voltavam para a primeira, o capinzal já estava pronto para alimentar, de novo, os animais.

Um dia, ele chegou ao  sítio  e o capim estava totalmente acabado,  destruído por um inseto chamado cigarrinhas-das pastagens. Esses insetos, quando pequenos,  sugam a seiva da raiz do capim.  E, quando adultos, comem o capim

E, agora, o que fazer? O empregado do sítio falou para meu amigo, muito envergonhado (porque estava falando com um conceituado médico,   como se não devesse falar aquilo e tal.) que conhecia um senhor que fazia uma simpatia,   e  as cigarrinhas  sumiam todas.

Sem saber o que fazer, meu amigo autorizou-o chamar o fazedor de simpatias, e voltou para a cidade.

Qual não foi a sua surpresa, ao retornar ao sítio depois de alguns dias e o capim estava novinho, totalmente recuperado.  Surpreso, ele perguntou qual fora o “milagre”.

O empregado contou-lhe: O “simpatista” abriu a raiz  da planta e tirou sete lagartinhas das cigarrinhas, colocou-as na palma da mão, e ficou rodando-as, enquanto as olhava firmemente, durante cerca de dez minutos. Vencido esse tempo, estava pronta a simpatia. E, segundo o empregado, as  lagartinhas estavam todas secas, mortas.

E o pasto voltou à vida!

Acredite, se quiser.

Maria Francisca – fevereiro de 2024.

 13 de fevereiro de 2024 

Hoje, na sala de espera de uma laboratório, onde fui acompanhar meu marido, fiquei a observar as pessoas, todas sentadas em silêncio, quebrado apenas pelo telão eletrônico, quando um robô vai chamando as senhas.

De vez em quando, aparece um técnico de carne e osso, para chamar o paciente que ali está sem a menor paciência.

Quando vou a qualquer clínica, levo sempre um livro. Esse dia, esqueci-me. Saí depressa, porque pensei estar atrasada…

O exame seria apenas depois das 9h. Ficamos ali a esperar e eu a observar as pessoas.  fazendo um passeio socrático diferente. Olhando, observando, criticando em pensamento (pode?). Após algum tempo, sentei-me.

O salão do laboratório era enorme e uma multidão silenciosa ali quieta. Todos com seu celular a postos. Vagava uma cadeira, chegava alguém, e sentava-se, sem sequer olhar para a pessoa que ali já estava. Homem ou mulher, jovem ou velho, da mesma forma.

Um tempo atrás, quando muita gente se encontrava num mesmo local, fosse em aeroporto, rodoviária, sala de espera qualquer, era sempre um barulhão de vozes, porque as pessoas conversavam. Hoje, ninguém olha nem sequer para o lado. Ligado em seu celular que, inadvertidamente, solta, de vez em quando, um barulho de algum vídeo.

Hoje, na rua, no calçadão, na igreja, em qualquer lugar, ninguém se  cumprimenta, a não ser os amigos. Eu até estou mudando meu estado de espírito. Eu, que cumprimentava a todos, estou deixando esse costume, porque, não há um rosto a me ver quando cumprimento.  E, se cumprimento assim mesmo,  não há resposta. Ninguém ouve, ninguém vê.

A virtualidade está tão presente na vida das pessoas, que os concursos literários têm feito alerta sobre textos por IA.

Frei Betto, alertava, numa crônica de 2010,  “Passeio Socrático”,  “Em outro dia, eu observava o movimento do Aeroporto de São Paulo: a sala de espera estava cheia de Executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos”…

Mais adiante: “Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação, porém, de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais…”

Ele tem toda razão. A linguagem jurídica consagrara a máxima: “O que não está nos autos, não está no mundo”, a dizer, só valia, para o processo, o que estava nos autos.

Depois, com a evolução da internet, das redes sociais, o brocardo passou a ser: “O que está no mundo, está nos autos”, ou seja, as provas podem ser captadas em qualquer espaço virtual,  desde que certificada a origem.

A novidade é: “Se não está nas redes, está fora do mundo”, isso para os mortais que ainda querem, como eu, a vida ao vivo e em cores. Mas não me iludo. Cada vez mais a tecnologia toma conta de tudo.

E as pessoas ficam robotizadas.

Na Igreja, chego sempre mais cedo. Se entra um casal  e fica no mesmo banco, nem olha para meu lado. Eu olho, olho, e nada de alguém olhar, para receber meu cumprimento, parece que não há ninguém ali, exceto na hora da “Paz de Cristo”. Aí, todos riem, cumprimentam-se, na maior alegria.

Então, o melhor remédio é nunca esquecer meu livro,  quando sei que tenho que esperar algum tempo, nos consultórios médicos, por exemplo.

Pior, ou melhor de tudo, não sei, o livro que eu estou lendo chama-se “Vida ao Vivo”.

E eu quero Vida!

Maria Francisca – janeiro de 2024.

 

 

 

 19 de dezembro de 2023 

Caminhando pela rua, descendo a ladeirinha do Shopping Praia da Costa, muita gente por ali,  chamou-me a atenção um jovem senhor, com duas crianças.

No colo, uma menina, e, pela mão, um menino. Andavam depressa e o menino reclamando, sempre. Quero ir pra casa. Estou cansado… Preciso de colo também…

O pai, também cansado, creio, falava, falava, sempre a mesma coisa: Estamos quase chegando em casa.  E o menino repetia: Estou cansado, também quero colo…

O pai, exasperou-se: Caio, você não aprende?  Um menino desse tamanho…

Ao que o menino, choroso, disse: Ô, papai, eu sou pequeno!

Vi naquele apelo, o quanto o menino sofria.  Fiquei com vontade de pedir ao pai para carregar a menininha e ele poderia pôr no colo o menino, mas não tive coragem. Poderia ser chamada de intrometida. Ele estava educando seu filho etc e tal. Hoje, não se pode fazer nada. As pessoas andam armadas de unhas e dentes, e prontas para atacar você. Não entendem as boas intenções, pois o mundo anda tão ruim que bondade vira maldade.

Não sei se tenho razão, mas com base no que vejo, imagino que se a mãe estivesse na mesma situação, pegaria, sem aguentar, os dois no colo.

Mas e o pai? Não tem a mesma sensibilidade?

Fui para casa, pensando na frase: “Ô, Papai, eu sou pequeno!”

Quantas vezes nós não nos sentimos assim.  Na doença, na morte de alguém querido, quando a agonia pega a estrada, no dizer do Padre Fábio, dá-nos vontade de dizer a Deus: Ô, Papai, eu sou pequeno! Mesmo sendo grandes, velhos, escolados, sabichões…

E, muitas vezes,  nós nos esquecemos de que temos um Pai. Um pai amoroso que não se aborrece com nossas queixas, ainda que sejam minúsculas as nossas necessidades. Não vai dizer como o jovem pai que vi na rua! Não se exaspera e nem diz: Sossega, você está muito grande!

Por isso, não me canso de dizer como o menininho: Ô, Papai, eu sou tão pequena!

 

Maria Francisca – dezembro de 2023.

 

 




Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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