Quem me compra um jardim? - Maria Francisca

 27 de outubro de 2020 

Acordei cedo. Raios do novo dia inundavam o quarto.
Na varanda, surpresa agradável: o pé de Bouganville, que chamo carinhosamente de buganvília, uma semana antes totalmente desfolhado, murcho e triste, agora carregado de flores. Fiquei ali um tempão admirando os lindos brotos, e bendizendo a natureza.
Daí a pouco, abri meu celular e encontrei um link enviado por um amigo.
Obra da tecnologia que, de vez em quando, xingo de Procusto, ou “Grande Inquisidor”, por me escravizar, e eu cada vez mais ligada a ela, ou mais escrava, trata-se de uma biblioteca virtual. Basta clicar no link para baixar gibis e livros. E, doente por livros, lá fui eu olhar.
Coincidência ou não, o primeiro era “Leilão de jardim”, de Cecília Meireles.
“Quem me compra um jardim com flores, borboletas de muitas cores, lavadeiras e passarinhos, ovos verdes e azuis nos ninhos, quem me compra este caracol? Quem me compra um raio de sol? Um lagarto entre o muro e a hera, uma estátua de primavera? Quem me compra este formigueiro? E este sapo que é jardineiro? E a cigarra e sua canção? E o grilinho dentro do chão? Este é o meu leilão”.
Eu não tenho um jardim assim. Não tem sapo, grilinho… tem raio de sol.
No meu jardim, vicejam plantas e mais plantas, orquídeas comuns, orquídeas de bambu, jasmins, antúrios, damas da noite… E todas resolveram florir.
A dama da noite é maravilhosa, mas dura apenas uma noite, como o nome diz. A flor brota na folha da planta. Eu, ali, em vigília, todas as noites, para assistir ao seu desabrochar, demorado… Depois, fico por perto, tirando fotos, guardando a lembrança… Sim, dia seguinte, murcha, pendurada, como se estivesse cansada da beleza da noite, e do meu assédio.
No meu jardim, tem aves e sua cantoria. Pena: As aves pousam e fazem sua apresentação, às vezes solo, às vezes em bando, só na tela de proteção. Não conseguem entrar para termos os ninhos, os ovinhos, contemplarmos a renovação dessa vida.
Sim. Renovação da vida. A Primavera. Por isso, o florescer da buganvília, símbolo dessa bela estação do ano.
Saímos do inverno, este ano mais triste, com a pandemia, e entramos nessa fase de clima ameno, sol que aquece os corações, sem tisnar a mente, e tudo se renova.
Até o mar parece mais calmo e mais azul.
Que venham o sol, as flores, a paz na alma e que a vida se renove sempre.

Maria Francisca – outubro de 2020.

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8 comentários

  1. O que falar desse texto? Bom, vou falar do Jardim e sua jardineira. Essa jardineira que planta ideias e sonhos.Parabéns por todas as flores,principalmente pela dama da noite,simplesmente linda.

    • Edson, meu amigo, nesses dias tristes, eu gostaria de ser essa jardineira de que fala, porque sei de tanta gente sem esperança… Vamos continuar cuidando das flores para que venham as borboletas, como disse Quintana.
      Grata pelo carinho de sempre.

  2. Que texto lindo adorei lindo leve e solto como a primavera que floresce no despertar do dia na tarde chuvosa e noite silenciosa e cheia de mistérios no ar.

  3. Eu sabia que um dia a jardineira e a poetisa que existe em você eram amigas.🌹
    Que belo olhar de esperança Francisca.

    • Simone, mas você sempre teve uma bela jardineira dentro de você. Eu tenho, ainda, um lindo vaso que você me deu. E foi você que me ensinou amar a orquídea de bambu, lembra? Não é um jardim que nos traz olhares de esperança?
      Grande abraço e obrigada pela leitura e comentário gentil.


  4. Vânia Rodrigues Calmon
    8 de novembro de 2020 às 16:09

    Querida Francisa,
    Cecília Meireles veio pousar em seu jardim para anunciar que em meio às tristezas se puder ouvi, ver, sentir … uma dama nos tira do marasmo e nos faz sorrir: você!

Responder para to mariafrancisca


Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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