Que direito é esse? - Maria Francisca

 27 de abril de 2017 

Com essa história de voos diretos reduzidos e preços de passagens proibitivos, tenho viajado de trem para Minas Gerais.  No trajeto, além dos recados para os passageiros, nos monitores passam alguns filminhos, mas, sem fone de ouvido – nunca me lembro de os levar – fico sem conhecer o conteúdo das mensagens.

Desta vez, ao contrário, deixei os livros de lado, cansada, pois oito horas lendo sem parar, não há cristo que aguente. Coloquei os desconfortáveis fones e comecei a assistir aos filmes. A primeira coisa que me chamou a atenção foi o título de alguns vídeos: “Que direito é esse?” Fui vendo e aplaudindo silenciosamente. Tratavam de assédio moral e sexual, acidentes do trabalho etc. Educativos e disso precisamos.

Hoje, diante da reforma trabalhista aprovada na Câmara dos Deputados, pergunto, aflita: Que direito é esse?

Acabo de assistir ao “Bom dia” da TV Gazeta e vejo dois juristas falando sobre as reformas. Claro, o que está a favor, diz, ao explicar a prevalência do negociado sobre o legislado: O empregado agora tem voz. Tem sim, doutor, para apenas dizer SIM.  Como já disse o saudoso Millôr Fernandes, “Livre pensar é só pensar”, da mesma forma, a voz do empregado é apenas para dizer SIM.  Qual o empregado, numa conjuntura perversa como a nossa, vai dizer não a uma proposta de redução do salário, de aumento de jornada ou qualquer outra proposta do empregador?

E, mais, disse ele que a reforma põe fim ao ativismo judicial.  Desculpe, esse doutor deturpou o sentido do termo. Ativismo judicial é interpretação da lei de acordo com o seu espírito e não criação de lei pelo juiz, como declarou.  Essa reforma vai amordaçar o juiz e a Justiça do Trabalho, isso, sim. Aliás, o que temos escutado são ataques cadenciados contra essa Justiça que trata dos Direitos Sociais.  A propósito, a ministra aposentada Eliana Calmon, sentindo cheiro de desgraça, como o corvo de George Orwell, reapareceu para desferir seus ataques, seguindo, infelizmente, a cartilha de outros membros do Poder Judiciário.  Mas ela ressurge das cinzas, também de olho nas eleições de 2018.

Por outro lado, o ex-ministro Ciro Gomes disse hoje, e nesse ponto concordo com ele, que estamos fabricando uma involução do Direito do Trabalho. Quando a China estaria tentando melhorar suas relações de trabalho, o Brasil está indo na contramão da história.  E eu digo:  quem precisar colocar sua força de trabalho a favor de outrem, daqui a pouco, retornará à senzala, porque a lei áurea é antiga e precisa ser reformada também, como a CLT que teimam em dizer que é de 1943, quando já passou por tantas reformas que nem é mais a mesma há muito tempo.

Sei que vão me dizer: o que adianta você escrever sobre isso, se não tem força alguma para mudar nada?

Lembro uma pequena metáfora que li faz tempo:  Um homem circulava num tribunal, onde se desenrolava um julgamento que poderia levar o réu à cadeira elétrica, com uma placa que dizia: “Pena de morte é crime”.  Disseram-lhe: Você acha que mudará alguma coisa com isso? E ele, tranquilamente: Eu sei que não mudarei esse estado de coisas, mas o que pretendo é que esse estado de coisas não me mude…

Então, continuo a perguntar: Que direito é esse?

Maria Francisca – 27 de abril de 2107.

 

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29 comentários

  1. – Sempre com suas reflexões oportunas, né? Numa viagem de 8 horas, mesmo que o veículo seja confortável, fazer a mesma coisa sempre se torna um sacrifício. Não entendo desse ambiente de leis, mas, com sua vasta experiência, sou levado a concordar que tem razão. Vamos esperar as frutas novas que aparecem amadurecerem para saber-lhes o gosto. fraterno abraço, Régulus.

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  2. Edson Neizes de Andrade
    27 de abril de 2017 às 21:28

    Adoro andar de trem, não mais que 5 horas. Isso foi só pra descontrair um pouco, porque o texto é muito sério. Ele nos mostra primeiramente como a mídia consegue distorcer as informações se utilizando de pessoas ditas profundos conhecedores do assunto, mas que na verdade contribuem com os interesses de um governo que quer massacrar o trabalhador com um pacote de reformas que só beneficiará uma elite podre e fascista que está acabando com o nosso país. Também temos informações técnicas e preciosas de quem se dedicou uma vida pela justiça dos trabalhadores. E pra terminar o texto nos trás uma mensagem sobre a importância das pequenas atitudes.
    Parabéns e obrigado por nos trazer de maneira agradável informações e reflexões em um momento em que muito se fala e pouco se diz.

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  3. Tudo tem um lado positivo e um lado negativo. O que importa é pesar os dois lados e verificar qual o mais relevante. É o que deve ser feito sobre essa reforma trabalhista.

    Por um lado, os prejuízos talvez sejam autoevidentes. Eles permitem passar por cima de diversos direitos trabalhistas e driblar negociações coletivas. Em uma economia falida como a brasileira, o indivíduo não possui poder de barganha suficiente para lidar com esse contexto de fragilização.

    Por outro lado, os ganhos podem ser interessantes. Eles permitiriam ao empresário pequenos e médios assumir mais riscos e contratar mais. Em uma economia falida como a brasileira, tenho certeza de que muitos concederiam alguns direitos em troca de simplesmente ter um emprego.

    A experiência demonstra que provavelmente o brasileiro aceita esse tradeoff. Basta verificar a tendência brasileira de trabalhar nos Estados Unidos. Lá, o trabalhador quase não tem direito algum. Mesmo assim, é lugar comum no Brasil o sonho de ir para lá trabalhar, mesmo que seja 12h/dia, sem FGTS, sem férias, sem sindicalização.

    Parabéns pelo artigo.

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    • Tem razão, Marcelo. Só que o brasileiro vai, aceita um trabalho massificante, dois, três empregos, para juntar um dinheirinho e retornar.
      Um detalhe em que concordo com você é sobre os pequenos empresários. Nossa lei trabalhista equipara, por exemplo, a ArcelorMittal à banca de revista da esquina.
      Obrigada e um abraço.

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  4. Regina Lucia Pinto Rangel
    28 de abril de 2017 às 08:11

    Bom dia amiga
    Refletir contemplando a paisagem já é um alento. Tantos conflitos sociais e poucas soluções. Mas você deve continuar fazendo suas reflexões. Estaremos aqui para lermos e aplaudi-la! Beijos!

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  5. Daqui a pouco vão mandar tirar esses filmes do trem! Estamos numa ditadura, já! Mal difarçada! Acho chocante nisso tudo que as pessoas não conseguem enxergar o outro. Muitos médicos brasileiros que eram contra o “Mais Médicos”(e eu tb era, pq era um sistema de escravidão de médicos ao arrepio da lei) agora batem palma para as reformas. Não conseguem perceber que estão fazendo com outros o mesmo que fizeram com eles.

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  6. Parabéns Maria Francisca. Texto ótimo, como sempre.

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  7. Tia, que texto incrível. Se cada um fizesse um pouquinho, talvez pudesse haver alguma mudança! Beijoss

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  8. Diferentemente de você Francisca, muitos estudam poucos aprendem. Parabéns não somente pelo texto, mas também pela postura que sua profissão exige.

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  9. Geraldo de Castro Pereira
    1 de maio de 2017 às 10:50

    Parabéns, Francisca, pelo excelente texto.Concordo plenamente com suas colocações.

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  10. Parabéns! Sábias e brilhantes palavras para uma reflexão necessária!
    Agradeço por compartilhar conosco seus pensamentos, cujas reflexões nos instigam a lutar!
    A sua falta é sentida nas justas decisões proferidas ao longo da sua carreira e principalmente como desembargadora que compunha o time do TRT 17ª Região!
    Grande abraço.

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    • Juliana, querida, nosso ambiente no Brasil está muito triste. Mas vamos tentando aqui e acolá. Obrigada pela gentileza.
      Que você continue brilhando em sua carreira.
      Fraterno abraço.

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  11. Fernando Dias dos Santos
    12 de maio de 2017 às 09:30

    Parabéns, sempre bom ler seus textos!

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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