Esses dias, assistimos na tv, recebemos inúmeros vídeos de whatsapp, e lemos nos jornais a notícia da bala que caiu aos pés de um padre, durante a celebração de uma missa transmitida ao vivo, em Maruípe (Vitória).
O Padre, tranquilamente, abaixou-se, recolheu a bala, entregou-a ao coordenador da comunidade, e continuou a celebração.
Segundo consta nos meios de comunicação, a região é prejudicada pelo tráfico. Tiroteios são ali comuns e os moradores já estão cansados dessa história macabra. Mas o Padre, com uma tranquilidade invejável, apanha a bala e continua a missa. Era o que lhe cabia, naquele momento.
A pedra no caminho de Drummond todos conhecemos. Deveu-se a um sofrimento por que passou. E saiu um poema, criticado, declamado, e estudado. Analisado até hoje, por especialistas.
Todos nós temos ou já tivemos pedras no nosso caminho.
A bala na hora da missa era real, infelizmente, como tantas que já ceifaram muitas vidas. Uma pedra imensa, sem dúvida, na vida das pessoas que moram ali ou transitam por aquelas ruas. Ainda bem que, dessa vez, a “pedra” perdida que o padre recebeu aos pés não machucou ninguém, e está entregue às autoridades.
Outras pedras, reais, chamaram nossa atenção, recentemente. Trata-se daquelas que foram colocadas debaixo de dois viadutos em São Paulo, para impedir a ocupação do espaço por pessoas em situação de rua.
Todos nós sabemos que a pandemia tirou muitos empregos, a droga está cada vez mais alastrada, e moradores de rua só aumentam, em todos os lugares. Vimos, semana passada, vereador de Vila Velha tentando levar alguns para abrigos, fazendo bastante propaganda, como é de praxe entre os políticos. Pelo menos, fazia algo de bom.
Pois bem, imaginemos São Paulo e voltemos às pedras de lá.
Segundo Claudia Costin, na “Folha” de hoje, pedras debaixo desses viadutos, impediriam o confronto dos tecnocratas com cenas tristes de pessoas sofrendo nas ruas, “morando” debaixo de pontes, viadutos, mesmo sabendo que essa atitude prejudicaria quem já perdeu tudo.
Entra mais um padre na história. Desta vez foi o conhecido Padre Júlio Lancellotti, Coordenador da Pastoral do Povo de Rua.
Vendo aquela triste realidade, duplicada com a pandemia, segundo a própria Claudia Costin, e as pedras no caminho daquele povo, não se fez de rogado: “Com uma marreta na mão, começou a derrubar as pedras fincadas debaixo do viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida. A prefeitura posteriormente retirou as outras.” E o viaduto ficou livre para voltar a ser morada.
Padre doido… Já foi preso algumas vezes, perseguido, caluniado…Diríamos. Doido, sim, mas consciente de que não pode ficar de braços cruzados diante de tanta tristeza. Ele tirou as pedras da vida dessas pessoas, como vem tirando outras pedras que impedem outras pessoas de seguir seu caminho, ao longo do tempo. Arranja muitas pedras e pedradas para si, mas resiste.
E nós, de braços cruzados. Vemos pedras perdidas, pedras com rumo certo, e ficamos banzando. Escondemo-nos. Acostumamo-nos com essa realidade horrível. Somos frágeis demais. Eles, os moradores de rua, são as pedras em nosso caminho, pensamos.
Quem dera eu tivesse a metade da coragem que tem o doido do Padre Julio Lancellotti.
Maria Francisca – fevereiro de 2021.
Horacio Xavier
7 de fevereiro de 2021 às 15:54
Belo texto Confreira. Como sempre, seu olhar consegue enxergar até o que está escondido na explicitude. Parabéns!
mariafrancisca
7 de fevereiro de 2021 às 17:38
Obrigada, querido confrade, pela leitura e comentário. Copiando termo do Getúlio, você é leitor qualificado. Grande abraço.
Edson lopes
22 de fevereiro de 2021 às 08:04
Bom! Falar o quê desse seu texto? Simplesmente mais um excelente. E quanto a coragem, você tem e muita, esqueceu de quantas vezes você foi para bairros considerados violentos para dar palestras para adolescentes, e trabalhos voluntários então? Você nao é o padre mas tem a mesma coragem. Parabéns.