Adélia Prado disse que a mulher é desdobrável. Mas que ainda é uma espécie envergonhada. Às vezes, pergunto-me: Por quê? Não é um paradoxo? Ao mesmo tempo em que consegue fazer mil coisas, há coisas que não consegue fazer… Por exemplo, livrar-se de um companheiro violento. Vemos tantas mulheres sendo massacradas e mortas todos os dias. Será que isso é amor? Outro exemplo: disputar cargos com homens. Quem há de?
Historicamente, a mulher foi massacrada. Era educada para ser esposa e mãe. Profissão, só professora, mesmo assim, as ricas, não. Teriam marido rico que as sustentasse.
Vejamos:
Desde 1821, temos eleição no Brasil. Indireta, ou direta, mas eleição. Somente em 1933, a mulher pôde votar em âmbito nacional, quando o Código eleitoral de 1932 deixou explícito o direito/dever.
A segunda guerra mundial que durou de 1939 a 1945 teve muitas mulheres nas trincheiras, mas como a história sempre foi contada pelos homens, ninguém tomava conhecimento disso. Alecsievitch Svetlana no livro “A guerra não tem rosto de mulher” fala dessas mulheres guerreiras que lutavam ao lado dos homens, vestidas como homens.
E quem sabia disso?
Agora, vindo para 1964, com o início da ditadura militar. Eu tinha 15 anos e participava de movimento estudantil, denominado JEC (Juventude estudantil católica). Havia a JEC, a JOC (Juventude operária) e a JUC (juventude universitária). O movimento era católico, mas discutíamos o país em nossas reuniões.
Com a revolução, tudo isso foi desmantelado, porque éramos considerados comunistas, quando até tínhamos medo do comunismo. Aliás, queríamos apenas um Brasil melhor. Nossos dirigentes foram presos, desaparecidos alguns, casas de diretores da União estudantil reviradas. Ficamos todos acuados.
Heloísa Buarque de Holanda, escritora e crítica literária, prefaciando a obra “Morangos mofados” de Caio Abreu, disse que a juventude radicalizada, no final dos anos 60 tinha dois caminhos: a luta armada ou o desbunde.
Muitas mulheres foram, sim, para a luta armada, presas, torturadas, mortas. Sabemos disso. Daqui do ES, por exemplo, temos a história da Miriam Leitão.
A minha geração foi aquela que começou a revolução feminina, queimando sutiens, mas isso foi nas capitais do país. No interior? Desbunde? Deus nos livre de mulheres assim. Todas doidas.
Então, do interior, e aluna de colégio de freiras, onde a lavagem cerebral era a tônica, mulher alguma foi para o desbunde, tampouco para a luta armada. Ficou foi acuada, repito, porque era vigiada pelas forças da ditadura, prontas para levar quem tivesse, em casa, o que consideravam arma letal: livros ditos comunistas.
Nossa cultura era esta: a mulher foi feita para o lar. Para ter filhos, educá-los, cuidar do marido…
O tempo passou e ainda hoje, a mulher repete aquela famosa frase: atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher. Por quê?
É interessante o seguinte: quando depende da capacidade intelectual da mulher, ela deslancha. Quando depende de eleição ou indicação, de disputa, ela perde. Por quê? Justamente pela nossa cultura. Pela discriminação que ainda existe contra a mulher e pela própria mulher. É só ver a quantidade de mulheres nas universidades em todos os cursos.
Quantas são executivas? Muitas, mas ainda poucas em relação aos homens.
Quantas mulheres na cúpula do Judiciário? O STF, por exemplo, foi criado em 1890. Só no ano de 2000, a primeira mulher foi nomeada, a Ministra Helen Grace, que foi a primeira mulher a se tornar Presidente daquela Corte de Justiça. Hoje, são 11 ministros e duas mulheres, apenas.
Na Magistratura do Estadual do ES. As magistradas são quase 50% do total de juízes. São mais de 100 mulheres no primeiro grau. Apenas 3 estão no TJ que é composto de 28 membros, ou seja, são 25 homens e 3 mulheres apenas.
Na magistratura do Trabalho, um pouquinho mais democrática, são 56 juízes no primeiro grau, sendo 25 mulheres. No Tribunal são 12 desembargadores e apenas 4 mulheres.
Na política, a situação não é muito diferente.
Em 2018, 52% dos eleitores são do sexo feminino, conforme estatística do TSE. Por que as mulheres são minoria em cargos eletivos?
Em Vitória, por exemplo, há anos, sempre a Neuzinha como única vereadora. Luzia Toledo já foi vice-prefeita, mas já tivemos mulher à frente do Município? Em Vila Velha, só na última eleição 3 mulheres foram eleitas vereadoras, ou seja, 20% quando os homens ficaram com 80% das vagas.
Nas eleições de 2018, duas mulheres foram candidatas ao Senado. Uma ficou com 4,60 % dos votos e a outra com apenas 0, 64%. Claro, vencidas. Para a Câmara Federal três mulheres foram eleitas, ou seja, 30% apenas. Já para a Assembleia Legislativa, 3 mulheres foram eleitas, percentual menor (10%) do que para a Câmara Federal.
A coluna de Ascânio Seleme, de 01/07/2018, do Jornal A Gazeta, publicou uma pesquisa sobre os motivos para as mulheres não se candidatarem, de acordo com elas mesmas, seriam falta de jeito para isso, criação dos filhos, tarefas domésticas, oposição do marido etc.
Nas associações de classe, da mesma forma.
Nas associações de juízes, por exemplo. No Estado do Espírito Santo, a AMAGES tem 50 anos de existência, até hoje, apenas uma mulher a presidiu.
A AMATRA (Associação dos Juizes do Trabalho do ES) tem 26 anos. Nenhuma mulher a presidiu até hoje. Muitas foram vice, inclusive eu, duas vezes. A ANAMATRA (Associação Nacional) tem 40 anos, até hoje 3 mulheres foram presidentes.
Na Associação dos Magistrados Brasileiros, que congrega todos os juízes do Brasil, nunca houve uma mulher na Presidência. E fundada há 67 anos.
Na AJUFE (dos juízes federais) fundada em 1972, com 46 anos de fundação, nunca houve mulher na Presidência.
Por quê?
Porque nós somos uma espécie envergonhada como diz Adélia Prado. Porque deixamos que isso aconteça. Umas por comodismo, outras por medo. Outras preferem ficar pelos cantos reclamando que não conseguiram isso e aquilo, porque a sociedade boicota, porque os homens não deixam, porque, porque, porque. Eternas desculpas.
Nada contra mulheres que se dedicam apenas ao lar e são felizes. Mas não podem optar por isso e depois chorar o leite derramado.
Vamos ficar assim para sempre?
Maria Francisca – outubro de 2018.
geraldo de castro pereira
29 de outubro de 2018 às 10:08
muito bom este seu texto,Francisca! É um positivo alerta para todas as mulheres!
geraldo de castro pereira
29 de outubro de 2018 às 10:09
muito bom este seu texto,Francisca! É um positivo alerta para todas as mulheres!
mariafrancisca
4 de novembro de 2018 às 13:44
Grata, Geraldo. Um abraço.
Arildo de Jesus
29 de outubro de 2018 às 11:18
E isso aí, Francisca !
Tenho uma mulher íntegra, com grande senso de responsabilidade e decisões sempre imparciais. Mas, perguntei várias vezes, há muitos anos, se ela gostaria ser candidata a vereadora e puder contribuir com esse perfil para a política e ela sempre falou “Deus me livre ser política” e, assim responde seu ponto de vista exposto em seu artigo.
Parabéns, muito brilhante seu alerta sobre as mulheres !
mariafrancisca
4 de novembro de 2018 às 13:45
Grata, Arildo. É sempre assim. As mulheres fogem. Agora, no CREA, há uma mulher, pela primeira vez na direção, não é?
Um abraço.