Esperança? - Maria Francisca

 19 de junho de 2021 

Rubem Braga, na crônica “Meu ideal seria escrever”, disse que queria escrever uma história muito engraçada, para alegrar uma moça triste, doente e sozinha que vivia numa casa cinzenta do Bairro.

Eu também, Rubem, gostaria de escrever uma história que nem precisava ser engraçada, mas que trouxesse esperança e amenizasse as dores que amargam a vida de muitos: a dor da fome e dor da doença. Sim, além da peste, temos o desemprego, a miséria e a fome.

Não sou uma pessimista chata, como diria Suassuna, para escrever uma ode ao desânimo, mas não posso ser uma otimista tola e sair por aí, dançando: “Canta, canta, minha gente, deixa a tristeza pra lá”, porque a vida está mesmo difícil. Seria insensato e até ridículo.  Como disse Souto Maior, “(…) a alegria e o humor não devem nunca servir para mascarar a realidade” (…).

Saio à varanda e vejo diversos navios aguardando a entrada no porto. Estão quietos, à minha visão. De vez em quando, um sai de minha vista, sinal de que estão navegando. E o que fazem aqueles navegadores, enquanto esperam a entrada no porto? Estão alegres? Estão tristes? E a família, como ficou? Há quantos dias estão no mar, apenas vendo aquela imensidão de água? E os que ficam doentes e nem podem sair do navio? São perguntas que não sei responder.

Xavier De Maistre, condenado à prisão (domiciliar), escreveu um belo livro: “Viagem ao redor do meu quarto”. Aproveitou-se do calvário para escrever sobre tudo que via e sentia ali dentro. A fome não era ameaça, mas, a escrita livrou-o do tédio e da solidão. Saberia ele o que se passava fora dali? Não sei.

Estamos numa guerra, como disse Camus (“A peste”). Quem poderá dizer se todos vamos morrer desta “peste” ou quando retomaremos a vida normal, a de antes?  Andar sem máscara, abraçar-nos, reunirmo-nos para um bate-papo, uma tarde com amigos, muitos amigos.

A realidade é nossa inimiga, sim, e a esperança está impedida de entrar. Não podemos cantar e dançar. Além de ridículo, seria falta de empatia com os sofredores, mas devemos ter fé. Como está em Hebreus, 11, 1: “A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê”.

Lembro, a propósito, o final do texto de Alessandro Frezza (O Capitão e o moço): “(…) naquele ano me privaram da primavera, e de muitas coisas mais, mas eu, mesmo assim, floresci, levei a primavera dentro de mim, e ninguém nunca mais pode tirá-la de mim.”

Resta-nos, pois, cuidar-nos e cuidar dos que nos cercam.  Enquanto aguardamos a vacina para todos, tentar matar a fome dos tantos que andam por aí, desamparados.

E, com fé, tentar trazer a primavera para dentro de nós, enquanto esperamos dizer, como Chico Buarque e Toquinho, no Samba de Orly:

ACABOU A GUERRA! Vamos comemorar!

Maria Francisca – junho de 2021.

Foto : Nascer do Sol em Itapoã. Mario Nazan.

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4 comentários


  1. HELIO MARIO DE ARRUDA
    20 de junho de 2021 às 09:21

    Uma mensagem de fé e de esperança !
    Um abraço !


  2. Geraldo de Castro Pereira
    20 de junho de 2021 às 12:00

    Excelente crônica,como todas as suas anteriores! Gostei imensamente, principalmente pela mensagem que ela nos transmite! Parabéns, Francisca!

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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