O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplice entre os próprios oprimidos. (Simone de Beauvoir)
Reabri “Um Mundo Feliz” de Aldous Haxley e deparei-me com esta análise na introdução, na pena de Rafael Riva, em tradução livre: “Haxley descreve-nos o caminho que vamos percorrendo neste mundo de consumismo voraz. Transitamos numa ditadura com aparência democrática, com um cárcere sem muros, de onde ninguém pensa em fugir, condicionados que estão e até agradecidos com a situação de servos. Tudo graças a um sistema generalizado de consumo”.
O livro foi escrito em 1932. Há 87 anos, pois. Vidente? Muito do que ele escreveu, acontece hoje. Os livros do Haxley são assim, como 1984 de Orwell.
Efetivamente, vivemos numa escravidão. O consumismo escraviza-nos e nem sentimos. Estamos bem. A mídia, os produtos maravilhosos anunciados, a última geração de celular…E, assim, vamos nos afastando uns dos outros, com medo do “olho no olho”, isolando-nos em nosso mundinho de whatsapp, instagram, twitter etc. E tome depressão.
Orwell (in 1984) fala do controle pelo grande irmão que tudo vê, impondo sua moral. O Big Brother, programa de tv, ao contrário do grande irmão do Orwell, prega o liberalismo pessoal, mostra tudo e todos que ali estão se expondo para os telespectadores, por dinheiro, escravizante, da mesma forma, como bem salienta Veríssimo, na crônica ‘O Grande Irmão”. “A câmera indiscreta a serviço da ideia obsessiva de organização social, deu lugar a uma obsessão maior, a vontade universal de saber o que se passa na casa do vizinho”, diz Veríssimo.
A ideia da câmera bisbilhoteira pegou e virou ditadura, da mesma forma. A bisbilhotice passou a ser normal e as conversas cara a cara ficaram de fora.
Temos, então, diversos cárceres modernos, em que nos enfiamos por querer, sem querer, levados pela mídia, pelo consumo, pelo modismo.
Frei Betto (no lançamento do livro; “A felicidade foi-se embora?”) disse que a televisão optou pelo entretenimento. E para obter ganho, a publicidade, feita exatamente para manipular-nos e excitar nossos desejos. Quem não consegue obter um bem que ali está anunciado, sente-se humilhado, “na janela da mídia, como quem folheia uma revista de variedade, para admirar famosos e ricos… No dizer de Fernando Sabino, como quem masca chicletes. Acaba o sabor, mas ficamos ali, mascando, mascando.
Em algumas famílias, quando cada um não está no celular, está à frente da tv, do computador, até no horário das refeições.
Uma amiga disse-me, outro dia, que eu estava sumida. Eu disse: Vi você na academia de ginástica. Não quis abordá-la porque você usava repelente. Ela assustou-se: repelente? Sim, repelente de gente: celular e fone de ouvido.
Em qualquer ambiente, seja restaurante, consultório médico, aeroportos, lanchonetes, as pessoas não se falam mais. Ficam ali, firmes no celular, digitando, bisbilhotando, lendo ou sei lá o quê.
Há algum tempo, você poderia até fazer amigos nesses lugares. Hoje, esqueça! Todos ocupados com suas redes sociais (nem tão sociais assim). Ou seja, estão usando repelente. De gente.
Se chegamos e puxamos conversa, uma conversa boba do tipo “calor, não?”. A pessoa responde automaticamente: é. Sem sequer olhar quem falou. Pode até estar fazendo um frio danado.
No calçadão, não ouvem o cumprimento, concentrados que estão no repelente. Uns até nos esbarram. Alguns, de bicicleta, na ciclovia, com criança na cadeirinha, olhando celular. Nem veem o perigo que correm.
Como disse Wilhelm Reich ao “Zé Ninguém (1948)”: Eu gostaria apenas que fosses tu próprio, em vez de jornal que lês ou da balofa opinião do vizinho”.
Vivemos, ou não, numa escravidão consentida?
Maria Francisca – outubro de 2020.
Tariane Vitória
23 de novembro de 2020 às 14:57
Sempre bom ler sobre a sua visão de mundo! Saudade tia =)
mariafrancisca
23 de novembro de 2020 às 17:18
Grata, querida. Saudades também…
Bjs.
Fabi
8 de dezembro de 2020 às 11:40
A crônica de que mais gostei…
Profunda e com palavreado original
Parabéns Menina !!! 🙂
mariafrancisca
8 de dezembro de 2020 às 13:48
Que bom que gostou, Fabiana! Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Que tal me dar uma sua para publicar aqui?
Grande abraço.