COMIGO, NÃO, VIOLÃO! - Maria Francisca

 15 de novembro de 2016 

figura-do-homem-bebado

Sábado à tarde, Vila Velha é um deserto de pedestres. Ou de ideias, talvez.

As lojas fechadas.  Só carros trafegam. Parece que todas as pessoas se escondem em casa.  Não se vê viva alma andando na rua.

Justo nesse dia precisei ir ao supermercado a cerca de três quadras de minha casa. Comprei algumas caixas de leite e vinha subindo uma rua, puxando aquele carrinho pesado, até arrependida de ter ido a pé.

Ando sempre alerta. Como disse Rubem Alves, quando saio de casa, levo meus olhos para passear.  Por isso, vejo tudo ao redor. De repente, observo um homem na calçada. Parecia inquieto. Fiquei um pouco cismada, pensando na violência diária, mas não havia jeito de passar ao largo, porque eu estava longe da faixa de pedestre, o carrinho pesado e o tráfego célere.

Arrisquei. Quando estava perto, ele me abordou: Senhora, senhora, por favor.  Eu não tinha alternativa. Parei.

A seguir, o diálogo:

Moro perto do Shopping Praia da Costa.

 Que foi que o senhor disse?

É que estou embriagado. Moro perto do Shopping Praia da Costa.

(Não estava entendendo nada, mas perguntei na base do palpite) O senhor está perdido?

Sim, não sei voltar pra casa.

Então, perguntei-lhe o nome da rua, se era mais perto da praia ou do shopping e, assim, pude indicar-lhe o caminho para casa.

Ele sorriu, agradeceu e disse:

 Acredita que uns moleques tomaram meus óculos, jogaram no chão e tomaram meu dinheiro?

Puxa! O senhor ficou sem nada?

 Sem nada, não. E a senhora?

(Ai, ai, ai, já vai pedir dinheiro! É a primeira coisa que pensamos, infelizmente).

Eu? O senhor continua sem nada! (Ri e ele riu também)

Não! Não é todo dia que encontramos pessoas tão gentis como a senhora. Garanto que todos conhecem a senhora. Vou perguntar na Banca de Revista, porque assino o Jornal de Brasil. Garanto que conhecem a senhora. (Não entendi o que tem a ver a banca de revista, com assinatura do Jornal do Brasil. E essa história de todos me conhecerem, se nem meu nome ele sabia.)

Conhecem nada, moço! Ninguém me conhece.  Thau! E fui saindo bem depressa, para livrar-me daquela questão que já se mostrava um problema e com muita vontade de dizer-lhe, como diria, quando criança, diante de coisas estranhas: “Comigo, não, violão”!

Segui pensando naquele fato inusitado e lembrando do que sempre dizem meus amigos: Só com você acontecem coisas desse tipo.

 Será?

Maria Francisca – janeiro de 2016.

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13 comentários

  1. Inspirado na vida real!!!

  2. Uma boa escritora não deixa uma oportunidade passar.Quem sabe,sabe….

  3. Seus textos são sempre prazerosos! Parabéns!!!

  4. – Pois é, Francisca.- As coisas acontecem o dia inteiro na vida de cada um. O bom cronista pinça algumas delas e nos brinda com um presente como o relatado. O velho Braga, capixaba de respeito, foi um mestre nisso. Deixou, também, muitos seguidores. Você se enquadra entre eles. Muito obrigado! Precisamos de mais.

  5. Muito bacana de sua parte em dar atenção à esse personagem tão intrigante que, felizmente nem todos são marginais e pidões.
    Quantos fatos que aconteceram em minha e poderiam ser relatados de forma tão cativante como você sabe contar.
    Agradeço a você por despertar em mim algo tão esquecido !

    • Arildo, que bom que despertei em você sentimentos esquecidos. Coloque-os no papel. Você escreve bem. Eu vou gostar de ler.
      Grata pela sua visita constante a este meu singelo blog.


  6. martha aurelia ferreira gonzalez
    17 de novembro de 2016 às 17:59

    Boa cronista anda mesmo sempre alerta. Não passa nada e quem lucra são os leitores. Fico pensando… isso tudo indo buscar umas caixas de leite, imagina se trouxesse um vinho. Rsrsrs.

    • Oi, Martha. E, você, então? Essa excelente cronista. Tá um pouco parada, só isso, não é? Hibernando?
      Vamos que vamos, espero crônica nova sua. Beijos e grata pela visita.

  7. Coisas de quem anda pelas ruas…buscando inspirações em fatos corriqueiros…para o não observador…seri amais um transeunte que passaria tal qual a vida…adorei!!
    abraços meus.

Responder para to lia noronha


Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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