CLT CADUCA - Maria Francisca

 1 de outubro de 2016 

carteira-de-trabalho

 

Com licença, Dra. Francisca. Desculpe interromper a sua caminhada, mas preciso falar com a senhora. Não sei se se lembra de mim, sou Maria Clara, professora numa escola de Vila Velha e participei da aplicação do TJC.

Ah, lembro-me, sim. Tudo bem? Em que posso ajudar?

Aí, a professora me contou que o filho assinou um contrato de experiência e, ao final dos três meses, só lhe disseram que não trabalharia mais, sem que o motivo lhe fosse explicado. Ele estava muito triste e ela, então, queria saber os seus direitos, ou seja, se a empresa poderia despedi-lo, sem explicação alguma, já que ele trabalhara bem o tempo todo.

Conversamos, ela agradeceu e foi andando, muito triste. E eu voltei pra casa, com um sentimento meio esquisito. Não sei se de pena do rapaz ou de revolta por essa situação por que passa o país e os desempregados.

Mal chego em casa, leio uma notícia que me enviaram: “O professor universitário que pede emprego no semáforo”.  Puxa! O homem de mais de sessenta anos, entregando cartões no semáforo, pedindo uma oportunidade para trabalhar. Que país é este, meu Deus!

E todos os dias só ouço dizer que a CLT é muito antiga, coisa de fascista, que precisa ser mudada. Certo, mudemos o que for necessário, mas, por gentileza, não digam que a CLT é velha, desatualizada, porque ela nem é a mesma de quando foi editada, tanto a retalharam.  E a cantilena continua.

Que tal, então, fazer outra?  Dar um outro nome, como fazem com tudo no Brasil? Mudem para Código do Trabalho, que talvez tenha mais força e  persista.  Hoje, há tanta burla, imagine quando vierem as mudanças que estão apregoando? A terceirização generalizada, o negociado valendo frente ao legislado, prevendo-se a alteração da Constituição para esse desiderato. Segundo as notícias circuladas na mídia, abrangem até férias e 13º salário.

E talvez nem sejam necessárias as mudanças legislativas, porque as últimas decisões do STF já deram mostras de que a CLT nem está valendo muito mais. Aliás, quem sabe até a constituição, com suas cláusulas ditas pétreas.

Quando do aniversário de 70 anos dessa Norma Legal, muitas coisas foram escritas, inclusive um belo livro do meu amigo Márcio Tulio Viana. Eu também quis prestar a minha homenagem à dita vetusta lei e escrevi um poema (Estou aqui: você me conhece?), que transcrevo, até como despedida dessa amiga que me valeu anos e anos de estudo e companheirismo no trabalho, tanto no INSS, como no Ministério do Trabalho e na Justiça do Trabalho.

 

Vim num tempo de guerras, dores, horrores.

Vim para a paz e em paz, dar força aos fracos.

Sem Fuzil, sem bomba, nem espada.

Vim com a força da Lei.

Não seria preciso mais nada.

 

Vim para a cidade e o campo veio a mim.

As cidades incharam. Surgiram becos, guetos

E até fome, nesse mundo infame.

 

Sou massacrada, rasgada, até escondida.

Sou mutilada, mas sou também emendada.

Como tudo neste mundo, sou amada e odiada.

 

Chamam-me obsoleta, caduca, atrasada,

Mas tenho meus defensores.

Não sou divina, nem uma ET,

Tenho 70 anos, sou forte e valente,

Sou a boa e velha CLT.

 

Maria Francisca – 30 de setembro de 2016.

 

 

COMENTE:

8 comentários

  1. Somente você, com sua simplicidade e profundidade, saber e conhecimento de causa, pode ser capaz de nos mostrar que a velha e atual CLT é capaz de assegurar aos trabalhadores e empresários brasileiros, a paz social, porque rege, e bem, os conflitos trabalhistas.

    • É isso aí, Lucy. Se com CLT estamos assim, imagine sem, não é? Nós que labutamos dia a dia com essas mazelas, bem sabemos o sofrimento desse povo sem eira nem beira, não é? Beijos.


  2. Regina Lúcia Pinto Rangel
    1 de outubro de 2016 às 20:35

    Francisca
    Realmente é uma cantilena enjoada! Falou a verdade!
    Belo poema! Só a alma de uma poetisa para mesclar a frieza da Lei com a sensibilidade da poesia! Beijos!

  3. Lindo mãe!
    Adorei!


  4. martha aurelia ferreira gonzalez
    13 de outubro de 2016 às 14:53

    Posso estar enganada, mas me recordo da senhora lendo esse poema em uma solenidade lá no TRT. Muito bom! Parabéns!

  5. Sim, Martha, esse poema já viajou…Foi ao TST, Assembleia Legislativa do ES, Escolas, sites de TRTs, TST etc.
    Obrigada. Bjs.

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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