A mulher e a discriminação - Maria Francisca

 1 de setembro de 2016 

A mulher e a discriminação

Peguei o livro Discriminação na estante, porque queria fazer uma pesquisa, mas parei no artigo de Márcio Túlio e deleitei-me com a leitura. Ele começa dizendo o seguinte: “Isonomia é hoje uma palavra mágica. Não, certamente, porque o mundo tenha se tornado mais igual: pelo contrário. Nos novos tempos liberais, cresce a distância entre negros e brancos, homens e mulheres, empregados e precários, proprietários e sem-tudo. Mas foi talvez por isso mesmo que a fome de igualdade aumentou. E a Constituição de 1988 soube captar essa mudança, dando nova ênfase a um ideal antigo”. Fala, ainda, o querido jurista, que, embora as constituições nem sempre sejam sinceras, porque cheias de discursos vazios, frases de efeito e tiradas poéticas, aí está o intérprete das leis para torná-las renovadas, aplicáveis e aplicadas.

A propósito, essa charge acima, muito bem-humorada, da Folha de São Paulo, de 07.11. 2008,  quando a Constituição dita Cidadã completava 20 anos, mostrando que é tudo muito bonito e bom, mas, nem sempre o que está escrito vale na prática.

Mas essa dicotomia entre a lei e a prática não é novidade. Infelizmente, no Brasil, desde sempre, imperou a beleza da lei em confronto com o horror da realidade. Laurentino Gomes (1889) conta que Euclides da cunha, que era republicano, definira o Brasil como  único caso histórico de uma nacionalidade feita por uma teoria política. Segundo o famoso escritor de “Os sertões”, no relato de Laurentino, as instituições nacionais construídas no Império baseavam-se em conceitos políticos e filosóficos importados de fora, com nenhuma similitude com a realidade observada nas ruas de um território pobre e atrasado.  O Brasil da teoria era diferente do Brasil da prática. Era e ainda o é, Senhor Euclides da Cunha.

As nossas leis são ótimas, nossa Constituição proclama a igualdade, mas só se vê desigualdade. E tudo é bonito, mas só na teoria. Quem conhece as normas de segurança no trabalho pensa que é norma de outro país, tão evoluídas e bonitas, mas só no papel.

Após esse parêntese, li o restante do artigo, sempre atenta às bem escritas e belas palavras do Márcio Túlio.

Fechei o livro, fui cuidar de um compromisso em Vitória e, ao voltar, chegando a Vila Velha, passando pela famosa alça da Terceira Ponte, parei em três faixas de pedestres, como manda a norma escrita e a educação. Duas vezes, era para passar uma mulher. Na terceira, um homem. O homem, ao passar, agradeceu com gesto de positivo. As mulheres olharam-me e simplesmente passaram. Se fosse um homem ao volante…

E eu fiquei a pensar sobre discriminação. Desta feita, da mulher contra a mulher.

Muitas mães apoiam tudo que os filhos fazem. Não se preocupam com quem saem, se mal ou bem podem fazer às meninas ou aos meninos com quem se relacionam.Com as filhas, todo cuidado é pouco. E com as filhas dos outros? Não são mulheres também?

Essa situação é comum, não só com pessoas menos instruídas ou de menor poder aquisitivo, não. Em todos os lugares e em todas as classes sociais.  Vejo isso por onde ando. E, quando posso, se a pessoa é de minha intimidade, digo: Mas e as meninas ou meninos com quem saem? Podem ser assacados? Melhor dizendo: São piores do que sua filha?

Se uma mulher viaja sozinha, as outras mulheres que estão com os maridos, nem chegam perto. Vai que aquela “vadia” resolva dar em cima do seu marido! E quando as amigas (?) se divorciam? Muitas mulheres afastam-se porque o marido “vira” presa fácil da divorciada. Se ocorrer, a dita divorciada é a culpada. Nunca o marido. Muitas até se arvoram em dar uma surra na “outra”.

Há pouco tempo, li uma entrevista da historiadora Mary Del Priore, concedida à BBC Brasil. Ela, além de historiadora, é professora universitária e autora de obras como História das Mulheres no Brasil (ed. Contexto), vencedor dos prêmios Jabuti e Casa Grande e Senzala, e Histórias e Conversas de Mulher (ed. Planeta), em que acompanha avanços femininos desde o século 18.
Para ela, as mulheres brasileiras do último século conquistaram o direito de votar, tomar anticoncepcionais, usar biquíni e a independência profissional. Mas ainda hoje são vítimas de seu próprio machismo. Muitas mulheres “não conseguem se ver fora da órbita do homem” e são dependentes da aprovação e do desejo masculino, opina ela.

Ainda segundo a historiadora, na sociedade, o machismo no Brasil se deve muito às mulheres. São elas as transmissoras dos piores preconceitos. Na vida pública, elas têm um comportamento liberal, competitivo e aparentemente tolerante. Mas em casa, na vida privada, muitas não gostam que o marido lave a louça; se o filho leva um fora da namorada, a culpa é da menina; e ela própria gosta de ser chamada de tudo o que é comestível, como gostosa e docinho, compra revistas femininas que prometem emagrecimento rápido e formas de conquistar todos os homens do quarteirão.

Sinal de que não estou sozinha na minha análise.

Em março de 2014, saiu o resultado de uma pesquisa em que a maioria afirma que a mulher que veste curto ou decotado merece ser assediada e até estuprada. A que ponto chegamos… E mulheres foram ouvidas também.  Mais uma vez confirma-se a minha ideia da discriminação pelas próprias mulheres. E eu que não estava falando desse tipo de violência, fiquei parada, olhando pro nada, enquanto me refazia do susto.

E a “Revista AG” publicou, em abril de 2014, uma reportagem justamente sobre a pesquisa, em que pessoas da sociedade, entre cantores, escritores, professores, fotógrafos, se despem, e, com um cartaz à frente do corpo nu, manifestam seu repúdio às ideias machistas, homofóbicas e absurdas desta nossa sociedade hipócrita. E, mais uma vez, temos manifestação de especialista no assunto: Beatriz Nader, estudiosa em história do feminismo, afirma que “Boa parte das mulheres ainda julga, por exemplo, outra mulher com uma roupa mais curta, apontando-a como vagabunda ou sem valor. E esse conceito ela passa para os filhos”.

Recentemente, está dando o que falar, o susto do mundo com o estupro coletivo de uma jovem de 16 anos. Um horror. E muitos ainda a acusam. Dizem: Ela estava se oferecendo…Eles são homens…Nem parece que estamos no século XXI.

Quando é que isso vai parar?

Maria Francisca –começo de 2013. Atualizada no final de 2015, a situação perdurando. Agora, em 2016,  da mesma forma.

 

 

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9 comentários

  1. Seu texto me proporcionou uma agradavel e interessante leitura. Agradeço a postagem. ?

  2. Costuma-se observar que, durante uma palestra, sermão ou coisa parecida, se houver um pequeno detalhe ou uma palavra errada quase imperceptível, muitos desviam-se do mais importante que se apresenta pelo palestrante e passam até a comentar. Já vi isso ocorrer durante uma missa …

    Da mesma forma fiquei a tentar entender as datas apresentadas por você no parágrafo que se segue:

    “A propósito, essa charge acima, muito bem-humorada, da Folha de São Paulo, de 07.11. 2008, quando a Constituição dita Cidadã completava 25 anos, mostrando que é tudo muito bonito e bom, mas, nem sempre o que está escrito vale na prática”. SÃO 25 ANOS OU 10 ANOS ?

    Parabéns pela bela publicação !

    • Oi, Arildo. Grata pela leitura e pela observação. Ocorre que não são 25, nem 10 anos, mas 20…rsrs. Nós dois erramos, mas valeu, porque vou consertar. Nem sei de onde tirei esse número de anos. Será que desaprendi de fazer contas? Rsrs. Um abraço.


  3. martha aurelia ferreira gonzalez
    29 de setembro de 2016 às 19:53

    Ótimo texto, rico em informações e muito atual. As mulheres avançaram muito, a sociedade mudou bastante, mas, infelizmente algumas crenças permanecem. E, de fato, o machismo ainda é muito forte entre as mulheres.


  4. Antônio Cristiano Esteves Guedes
    23 de janeiro de 2023 às 08:37

    Parabéns pela qualidade do seu texto. Seria valioso para nós, você escrever um pequeno textinho contando a história da missa celebrada pelo frei Inocêncio. Este é o centenário da chegada dele no Brasil e os capuchinhos comemoram 150 anos da Missão no Mucuri e o Aldeamento de Itambacuri.Forte abraço

    • Caro Antônio, fico feliz de você ter gostado do meu texto.
      Quanto a escrever sobre a história da missa de Frei INocêncio, responderei no seu e-mail que consta supra.
      Obrigada e um abraço.

Responder para to martha aurelia ferreira gonzalez


Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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