Já li diversos autores famosos, entre os quais Rubem Alves e Clarice Lispector, dizendo-se pobres quando crianças, mas felizes, porque não se davam conta de sua pobreza.
Eu sempre soube que era pobre, mas a pobreza não me incomodava. Estudava, tinha meus livros, minhas colegas, brincava. Tinha amigos ricos e eu sabia disso, mas transitava, tranquilamente, entre ricos e pobres.
Pesquisa realizada por Celso Athayde e Renato Meireles comprova que 95% das pessoas que vivem em favelas no Rio se sentem felizes. Um terço delas não sairia dali, nem que o salário dobrasse. Segundo os autores, 80% desses habitantes têm casa própria. Essa pesquisa está no livro Um país chamado Favela, da Editora Gente. Então, pobreza não é sinônimo de infelicidade.
A desigualdade nasce da comparação: alguns autores já o proclamaram e, em especial, Rousseau que coloca a propriedade como origem de todo o mal. O fato de os homens reunirem-se em uma sociedade deu-se por autopreservação, dissera o filósofo, visto que é mais fácil resistir e combater animais selvagens quando se está em grupo. Com essa convivência teria observado o primeiro passo para a desigualdade: distinção entre o mais belo, o mais forte, o mais destro, o mais eloquente. Daí originariam os sentimentos de vaidade, desprezo, vergonha e inveja, até então desconhecidos no estado natural, recrudescendo e fincando raízes na vida das pessoas, com a propriedade.
O belo, o forte, o eloquente e o inteligente causam, sim, inveja, mas a disputa pelos bens materiais é o que tem prevalecido e provocado discórdias maiores no mundo de hoje e, porque não, infelicidade. Claro que estou falando, aqui, de pobreza e não de miséria. O miserável não tem dignidade nem sequer para pensar. Se não pensa, não tem como fazer opção. O alimento é a única coisa que pretende e a única coisa com que se preocupa. Pão. Apenas pão. Beleza, nem se fala.
Cacau Rhoden diz que vivemos em uma sociedade em que as pessoas são infelizes. Por quê? Estaríamos colocando toda a fonte de satisfação no consumo, o que provocaria uma cascata. Nunca estarmos satisfeitos: uma vez adquirido algo, desejamos mais, numa cadeia infinita. Essa insatisfação, segundo o cineasta, está em nós mesmos. E Marcia Dessen, em recente artigo na “Folha” disse que a maioria de nós não sabe o que quer. Então, programamos o cérebro para olhar à nossa volta, em relação aos outros. Queremos o que o outro tem. Olhe a comparação aí.
Claro que nós passamos essa sede de consumo aos nossos filhos. Ficamos todos infelizes por um “homem de ferro” que nosso pai não pôde comprar. Nossos coleguinhas têm e nós, não. O pai consegue aquele tal “homem de ferro”, mas aparece outro, mais sofisticado, exibido ontem por nosso colega no recreio. A comparação parte, apenas, do material, do que posso ter. E, agora, com os jogos eletrônicos, com as redes sociais? E os telefones celulares, notebooks de última geração? Os amigos têm, quero também. Se assim for, a chance é do complexo de vira-latas (expressão cunhada por Nelson Rodrigues) e a infelicidade mora aí mesmo.
A educação tem um papel importante nesse contexto de desigualdade.
O jornal “A Gazeta” de hoje (domingo, 05.02.2017) trouxe uma entrevista com Sri Prem Baba, Guru brasileiro que mora na Índia. Numa de suas respostas, disse o seguinte: “ Talvez nosso principal erro seja a crença de que a felicidade está fora de nós”.
Pois é. Esses dias escutei uma frase interessante. Uma amiga dizia que determinada pessoa tinha vocação para ser infeliz. Claro que ela disse isso sem refletir, apenas porque a pessoa vive reclamando de tudo, mas eu fiquei pensando nisso. Será que eu nunca me senti infeliz, quando criança, mesmo sabendo-me pobre, porque tenho vocação para ser feliz? Quem sabe foi a Poliana quem me ensinou o jogo do contente? Ou foi a educação que recebi que me ensinou a me preocupar mais com outras questões da vida? Será que tenho o gene da felicidade?
Mas vale perguntar: Existe vocação para ser feliz ou infeliz? Quem sabe nascemos com um genezinho da felicidade? A pensar…
Maria Francisca – fevereiro de 2017.
Renato Pereira Lana
5 de fevereiro de 2017 às 14:39
Fantástica e real a crônica.
Tive uma infância simples, pobre, na roça e sempre fui muito feliz!
mariafrancisca
5 de fevereiro de 2017 às 14:55
É isso aí, Renato. Você encontrou a felicidade dentro de você mesmo. Então, tem o genezinho da felicidade, não é? Rs.
Grata pela leitura e comentário.
Abraço fraterno.
Edson Lopes
5 de fevereiro de 2017 às 15:20
Mais uma dentre as várias e interessantes crônicas,apesar de eu gostar mais dos causos.rsrsrs
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2017 às 13:03
Causos são com você, não é, Edson. Aguarde…rsrsrs.
Obrigada.
Abraços.
Paula
5 de fevereiro de 2017 às 16:07
Fran , quando leio o que você escreve me sinto em nossas conversas. Parabéns pelos dons que tem, como o da escrita, e por tanta sabedoria caber numa pessoinha só. És pequena por fora, mas imensa por dentro. Espero ter esse tal genezinho também. Orgulho de ti, sempre.
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2017 às 13:03
Paula, querida, você é minha amiga. Não vale. Rsrs. Mesmo assim, gratíssima. E você tem esse genezinho, sim, viu?
Beijos.
Valteir de Oliveira Lacerda
5 de fevereiro de 2017 às 16:17
Eu era pobre e já era feliz, agora então que estou cada vez mais rico, pois tenho você há muitas décadas, minha carreta de felicidade está cada vez mais cheia.Bjs.
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2017 às 13:00
Você não tem jeito, não é? Rsrsrs. Grata pelo seu carinho de sempre.
Beijos.
Martha Aurélia
5 de fevereiro de 2017 às 19:38
Belíssimo texto, drª Francisca!
Nossa sociedade consumista traz mesmo muita infelicidade. Acredito que a educação e o desenvolvimento de bons sentimentos, como a compaixão, nos ajudam a encontrar a tal felicidade. No entanto, algumas pessoas têm a sorte de possuir o tal gen da felicidade. Costumam sempre iluminar os lugares por onde passam. A senhora é um bom exemplo dessa genética especial.
Besos
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2017 às 13:00
Nossa, Martha, fiquei até comovida com sua mensagem. Amigos são assim: vê coisas em nós que muitas vezes nem existem. Grata pelo carinho.
Beijos.
Ivete Flores Ramos
5 de fevereiro de 2017 às 21:27
Muito bom, Francisca! continue escrevendo par deleite dos
leitores. ”
A felicidade existe sim.”entretanto ela st sempre onde a pomos e nunca estamos onde a pomos”.
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2017 às 12:58
É isso aí, Ivete.
Grata pela visita e comentário.
Beijos.
Glaucia
6 de fevereiro de 2017 às 09:32
Oi mãe! Adorei como sempre! Posso repassar? É daqueles rezros li dos que queremos que todos leiam!
E papai está ficando poeta também, não é? Rsrsrs ou piadento como diz o Gabriel!
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2017 às 12:57
Oi, filha.
Claro que pode repassar. Obrigada.Seu pai virou poeta e, como disse o Gabriel, piadento…rs.
Beijos.
Marcelo Netto
9 de fevereiro de 2017 às 14:24
Este é um teste.
mariafrancisca
9 de fevereiro de 2017 às 14:25
Esta resposta é um teste.
Lia
11 de fevereiro de 2017 às 20:47
Ser feliz …é um estado de espírito!!!
Muitas vezes…valorizarmos a simplicidade…nos enche de gratidão.
Abraços carinhosos meus.
mariafrancisca
14 de março de 2017 às 18:06
Lia, querida. Obrigada pela leitura e pelo comentário. Beijos.
Martha Severo
10 de abril de 2017 às 16:28
“Éeee…!” Descobri que incorporei um pouco da perplexidade positiva da minha avó, esta, pessoa analfabeta, pobre, sábia, e, por este motivo, simples. Quando se deparava com algo extasiante e frutificante, calava-se, na maioria das vezes, ou exclamava: “Éee…”
_ Éee…!!!
mariafrancisca
11 de abril de 2017 às 20:29
Martha, querida, para esse seu comentário, digo Éeeee…!
Beijos