Você quer ir para o céu? - Maria Francisca

 14 de fevereiro de 2020 

Você quer ir para o céu?
Ninguém quer morrer, isso é certo.
Medo de morrer? Muitos têm. Por que esse medo? Será pela incerteza do que será depois? E quem crê na Vida Eterna? Tem medo?
Rubem Alves publicou diversas crônicas sobre a morte. Numa delas, ele diz que morte súbita é ruim. Precisava de tempo para escrever seu haikai. Noutra: Já teve medo de morrer; não tinha mais, só pena. E outras e outras.
Steve Jobs teria dito que a morte era a melhor coisa da vida, porque faz as pessoas cuidarem mais de si, pensarem mais nos objetivos a realizar, antes que seja tarde. E que todos querem ir para o céu, mas ninguém quer morrer.
Clarice Pierre (A arte de viver e morrer) afirma que à medida que nos conscientizamos de nossa mortalidade, fragilidade, poderemos mais intensamente valorizar a vida e viver sem desperdício de um só minuto de nossa existência. Diz, ainda, que diversos filósofos já teriam se dedicado ao assunto, como Platão e Sartre, pois vida e morte fazem parte de um mesmo enigma e de um mesmo resultado: a finitude.
Eu leio e penso bastante sobre a vida e a morte, mas sei disto: a finitude incomoda-nos a todos. Mistério insondável, constrangedor.
Nossa cultura trouxe-nos a repulsa ao tempo como limitador e à impotência diante desse fato. Por isso, silenciamos. Não estamos preparados para falar de tema tão intrigante. Quando alguém fala, os que estão em volta logo pedem para mudar de assunto.
Já tive medo de morrer. Pensava nos filhos pequenos. Hoje, não mais. Vão sentir minha falta? Talvez, saudades por um tempo, depois, a vida segue seu rumo, cada um cuidando de seus afazeres e, como disse Drummond sobre Itabira, se restar alguma coisa, é apenas um retrato na parede.
Penso que a preocupação com a ideia da morte é também a dúvida de como será esse final. Com dores, sofrimento, humilhação? Nesse caso, a tristeza é maior, tanto para quem está partindo, como para os que cuidam do doente terminal.
Em “Sobre a morte e o morrer”, Rubem Alves conta a seguinte história: “Dona Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. ‘Minha filha, sei que minha hora está chegando… Mas, que pena! A vida é tão boa…’”
Pois bem, minha mãe tem 99 anos. Sempre foi uma pessoa forte, lutadora, de uma religiosidade à toda prova, solidária com todos, daquele tipo que costura para quem precisa, vai ao asilo dar banho nos idosos, coloca na sua mesa qualquer pedinte e acolhe qualquer pessoa em sua casa.
Hoje, acamada. Sofre há dois anos. E, como a personagem do Rubem, não enxerga mais nada. Mas tem uma sede de vida incrível. Vive pedindo a Deus para tirá-la da cama. Quando está sofrendo muito, fala que morrer é muito difícil. Se melhora, levanta as mãos para os céus pedindo para recuperar a saúde. E, às vezes, questiona: será que vou morrer hoje?
Ninguém sabe o dia, nem a hora do fim.
Na crônica “Ficar pra semente?”, eu disse: “E é bom que eu não saiba o dia, nem a hora, porque não teria a sabedoria e a aceitação da Clara, de Isabel Allende.”
Por que não sabemos? Há quem saiba? Há quem vislumbre o momento, como a velhinha do Rubem, mas saber, mesmo, ninguém sabe.
Esses dias, reli a notícia dos radares nas estradas, aquela discussão inócua, e pensei: Ainda bem que ninguém sabe o dia da morte. Se soubéssemos, faríamos as maiores loucuras e só nos preocuparia com o bem, quando o momento estivesse chegando. Seríamos como o motorista que corre desenfreadamente na estrada, ultrapassando todos os limites e reduz a velocidade somente quando vê a placa anunciando o radar, ou o aplicativo dá o alerta. Só por medo da multa – o castigo eterno.
E só queremos o céu!

Maria Francisca – fevereiro de 2020.

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6 comentários

  1. Refletir sobre a morte é interessante e necessário. Todos nós deveríamos nos preparar para tal,entretanto grande parte de pessoas não aceita a ideia.
    Considero que morremos a cada dia , desde o nosso nascimento quando há o corte do cordão umbilical e as perdas do dia-a-dia.
    Comadre você foi feliz em refletir sobre o tema.Parabéns!
    Abraços

  2. Bela reflexão Francisca. Antes da minha cirurgia cardíaca eu fiz um grande exercício de partida: passei pra minha Maria todas as minhas senhas, principalmente a de minha poupança para que ela passasse o resto da vida tranquila. eh eh eh eh. Brincadeira à parte, realmente me preparei para uma possível passagem de plano. Tudo é possível numa cirurgia desse porte. Trabalhei a minha cabeça pelo desapego às belezas e delícias da vida. Eu estava pronto!! Fiquei muito tranquilo até o leito da vida ou da morte: a cama fria da sala de cirurgia. Me entreguei e como que se muito querer acordei na UTI. estou aqui!! Pronto para continuar curtindo a vida, com receio da morte e sem saber como me preparar para um momento indefinido.

    • É isso, Bona. Quando temos algo assim, pensamos mais na morte. Depois, alegria, estamos vivos!
      Obrigada pela leitura e pelo depoimento.
      Grande abraço.

  3. Mais um lindo texto que você escreve! Parabéns!!! Bjs

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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