Se ganhar a ação, morre! - Maria Francisca

 1 de dezembro de 2019 

Quando vim para o Espírito Santo, escolhi trabalhar em Linhares, porque estava cansada de trabalhar em capital. Mas muitos espantaram-se. Em Linhares? Lá é perigoso. Matam por qualquer motivo.
E, claro, notícias de assassinato de juízes já tivemos muitas. De ameaças, nem se fala. Tantas… No Espírito Santo, por exemplo, tivemos o caso do Juiz Alexandre Martins, assassinado no meio da rua. Esses dias, um colega de São Leopoldo noticiou o assassinato de um reclamante de 27 (vinte e sete) anos.
Em Linhares, naquela época, então, havia muitos casos de assassinatos. De vez em quando, uma notícia de alguém morto, estatelado num canavial. Crimes impunes, em verdade, insolúveis. Não sei se fato ou boato, ou, como se diria hoje, se eram fake News.
Tão logo cheguei àquela cidade, penso que era praxe naquela região, foram escalados dois policiais para as audiências. Ficava mais tranquila, porque ali, sentia-me protegida, como via que as pessoas também assim o sentiam.
Mas nem tanto. Certa vez, acabei de interrogar uma testemunha e recebi a notícia: fora metralhada no meio da rua. Fiquei um pouco assustada: seria pelo testemunho? Mas não. Tratava-se de “queima de arquivo” de um antigo e rumoroso caso do Estado.
Um dia, comecei uma audiência e vi dois homens sentados no fundo da sala. Perguntei ao servidor se não seriam testemunhas. Se fossem, claro, não poderiam ficar ali, antes de serem ouvidas. Não. Eram, segundo souberam, pistoleiros, filhos do reclamante, empregado de uma fazenda. Mas estavam desarmados, garantiram-me os policiais presentes.
Não aceitas as condições para acordo, a instrução foi realizada, ouvidas partes, testemunhas, como era meu costume, em que pese a defesa pífia apresentada pelo empregador.
Deixei para decidir depois, para não atrasar as demais audiências do dia. Mal cheguei ao gabinete, Sr. Ilson Pessoa, classista dos empregadores (ou meu anjo da guarda naquela cidade) disse-me: Doutora, aquele fazendeiro da audiência de hoje, mandou pedir que a senhora o condene bem depressa. Por quê? Ele está com medo de morrer. Ele foi ameaçado de morte, por aqueles rapazes, filhos do reclamante, presentes à audiência, caso o pai perca a ação. E por que ele não fez o acordo? Não seria mais fácil? Por puro medo. Medo de ser menor o valor que o pai espera receber, respondeu o Sr. Ilson.
Achei esquisito. Pedir para ser condenado, nunca vi. Além disso, ouço é notícia de ameaça ao juiz, se a pessoa perde a ação, mas, naquele caso, era muito mais fácil. Já ia ser condenado mesmo…
Sentenciei em seguida, a decisão foi publicada, o empregador realizou o depósito e o dinheiro foi liberado, tudo no mesmo dia.
Depois dizem que a Justiça é lenta (e é a pura verdade…), mas rapidez como essa, só essa.
O que não faz o medo…

Maria Francisca – julho de 2019.

   Causo | 2 comentários »   
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2 comentários


  1. Regina Lucia Pinto Rangel
    2 de dezembro de 2019 às 05:52

    Bom dia, Amiga
    Linhares tinha fama de perigosa mas Afonso Cláudio era considerado um Município de matadores profissionais. Graças a Deus que os seus riscos viraram belas crônicas. Beijos!


  2. Geraldo de Castro Pereira
    3 de dezembro de 2019 às 09:08

    Excelente

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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