Que pressa é essa? - Maria Francisca

 31 de dezembro de 2021 

Esses dias, li uma crônica da Martha Medeiros (“Quem está ‘on’”?).  Ela fala sobre a cultura do já, do agora.  Antes, liam-se livros, depois, pequenos textos. Agora, nada mais. As frases são lidas pela metade e são esquecidas rapidamente e, em seguida, vêm perguntas para o que já foi explicado à exaustão, a exemplo de uma postagem com sua foto no instagran, tomando vacina e, na legenda, informando que se tratava da terceira dose. Mas, mesmo assim, vieram perguntas. E a terceira dose? Quando vai tomar? Estamos nos comunicando miseravelmente, diz.

Tem razão. As pessoas querem ver fotos, curtir rápido, sem nem ver direito de que se trata e pronto.

E a escrita também está ruim. Quem não lê, não escreve. No Natal, por exemplo, raras as mensagens escritas. Quase todas que recebi foram de figurinhas, de repasse. Muita gente manda tanta mensagem desse tipo, que nem sabe para quem está enviando. Uma dessas pessoas, por exemplo, quando eu respondi, mandou uma mensagem de voz, demonstrando surpresa. Disse que há muito tempo não falava comigo e agradeceu a mensagem. Nem viu que eu estava retribuindo. Achei engraçado e fiquei quieta.

As abreviaturas de palavras nas redes sociais são interessantes. Às vezes, nem sei traduzi-las. Se eu já era ruim em siglas, imagine abreviar as palavras. Algumas já aprendi, de tanto ler as mensagens dos netos.

Conversando com um colega mais ou menos da minha idade, lembramos das letras de algumas músicas que têm frases erradas, o que não ocorria, antes, nem nas propagandas. De lembrança em lembrança, chegamos àquelas propagandas mais antigas, ouvidas nos bondes, nos rádios etc.

Fiquei curiosa com essas lembranças e fui pesquisar. No Jornal Opção, encontrei uma reportagem de Hélio Rocha, falando o seguinte: “Nos tempos remotos da propaganda no Brasil, ela era às vezes meio ingênua, mas nunca vinha com erros”. E cita os seguintes versos que eram circulados nos bondes: Veja, ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado. /E, no entanto, acredite, quase morreu de bronquite. /Salvou-o o Rhum Creosotado”

Realmente era um outro tempo. Um tempo mais calmo, sem rede social, sem tanta exigência do consumismo, sem telefone celular. Entrava-se num bonde, como disse o colega e, vagarosamente, caminhava-se pelas ruas, sem muito trânsito, até o destino. Fiquei a imaginar como seria isso naquele tempo e, mais ainda, hoje. Alguém teria paciência para ouvir propaganda?

Queremos voltar a esse tempo? Você perguntaria. Não, claro.  A tecnologia, a rede social, vêm a serviço do homem. O problema é o homem ficar a serviço da tecnologia: o dia inteiro no instagran, no facebook, no spotify, em qualquer lugar: na rua, na escola, na mesa do almoço ou jantar. Essa “necessidade” de fazer tudo ao mesmo tempo mina nossa atenção e salve-se quem puder, de tanto erro e trapalhadas.

Muitas vezes, estamos tão atarefados, ou mesmo apressados, fazendo uma coisa e pensando em outra, que fica tudo como se uma tecla tivesse sido digitada e as ações entraram no sistema automático.

Martha Medeiros disse que não é a pressa, é falta de foco. Para mim, é a pressa, a falta de apreço ao outro, e aflição para acessar tudo ao mesmo tempo, o que, sem dúvida, prejudica o foco. Por vezes, estou nesse mesmo barco, tentando dele sair, fugir.

Então, que tal aproveitar esse período de festas e dar uma pausa, como nestes versos da música de Vicka:

“Será que existe cura pra toda essa loucura? (…) Talvez seja hora pra pensar Nem tudo se pode controlar (…) Calma, o mundo precisa de pausa”.

Maria Francisca – Final de dezembro de 2021.

 

 

Maria Francisca – Final de dezembro de 2021.

 

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7 comentários

  1. Mais um belo texto! Realmente os tempos são outros e como diz a musica:
    “Só melancolia os meus olhos trazem,
    Ai quanta saudade a lembrança traz,
    Se houvesse retrocesso na idade,
    Eu não teria saudade,
    Da minha mocidade….”

    • É,Edson, meu caro amigo, você não dorme, não? Você é dos tais que leem tudo. Não está nesse “bolo” a que me referi.
      Obrigada pela leitura e pelo comentário.
      Grande abraço.
      Francisca

  2. Bom dia,prezada acadêmica Francisca! Suas crônicas são sempre excelentes. Esta de hoje mostra a realidade de nossos tempos! Quase ninguém quer ler! Gostei muito! Parabéns! E um Feliz Ano Novo!Continue nos deleitandoo com seus belos escritos! Abraços fraternos!

    • Obrigada, meu caro poeta-amigo-confrade Geraldo. Você é sempre muito generoso nos comentários. Feliz ano de 2022 pra você, com muita inspiração. Estou esperando sua biografia em versos, viu?
      Um abraço,


  3. Tariane Vitória Campos Lopes
    1 de janeiro de 2022 às 19:14

    Amo os seus textos, saudade!!

  4. Muito bem observado e bem colocado as suas observações e as da Maria Medeiros. Para muitos deve ter caído como uma luva. Para mim se ajustou 0.0, como dizem na mecânica, que acreditem, tambem denominam “interferência”, deixa pra lá. Só sei que acabei fazendo uma estatística para o meu caso num universo de 10 publicações e média de 18 leitores: ) comentários, 2 curtidas e 18 vistos. Eu não sei se é preguiça de ler ou o assunto desinteressante ou decepção porque pensavam que era outra coisa que gostariam de ver. A quantidade de erros, Abreviações, figurinhas e mensagens de voz também. É por isso que não gostam: escrevo demais!

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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