Que pasmaceira! - Maria Francisca

 21 de novembro de 2022 

 

Ontem, li uma crônica do Ruy Castro sobre as palavras novas, substitutas de antigas, e a mudança do sentido de outras.

Então, já alerta por essas mudanças, fiquei em dúvida sobre esse título. Será que ainda existe a palavra pasmaceira?

Existindo ou não, é isto que sinto aqui no trem da Vale, depois de longo tempo sem viajar: pasmaceira.

É ruim, mas é bom, como dizia uma humorista faz tempo. Pode isso?

Pode. Não escuto conversa alguma, a não ser os anúncios do próprio trem. Era muito mais divertida aquela barulheira. Papos e mais papos e eu só bisbilhotando. E, depois, tome crônica…

Mas é bom, porque vejo que, diferente dos aviões, o trem cuida do distanciamento. Não fica somente no discurso, com aquela velha hipocrisia.

As cadeiras são marcadas, distantes, as bagagens reduzidas e gratuitas.

Então, fiquemos na pasmaceira, que, apesar de ajudar pouco nas minhas “belas” crônicas, cuida de mim, das pessoas que estão em viagem.

Como eu disse que a barulheira era mais divertida, ganhei um “presente” na viagem seguinte: Três famílias com nove crianças entre três e oito anos. Gritos, pulos, choro…Em pé, em cima das cadeiras, saltando de uma poltrona pra outra. Os pais? No maior cochilo. No estilo “não é comigo”. Só que daí a pouco apareceu o fiscal e disse: quem é o responsável por essas crianças? Um dorminhoco abriu os olhos e, mal o fiscal saiu, continuou tudo igual.  O incrível foi uma criança, na hora do lanche, resolveu limpar a mão na minha calça.

Num determinado momento, dois meninos começaram a trocar tapas. Aí, sim, o pai do agressor acordou e “enquadrou” a criança…

Voltando às palavras antigas, converso, vez ou outra, com um amigo da minha idade. Rimos muito das palavras que ambos falamos e nos perguntando:  Ainda existe?

Uma professora me falou sobre as gírias novas dos adolescentes. Em vez de falarem que fizeram algo, dizem: Fui lá e pá. Achei engraçado. As palavras caem de moda, as gírias caem de moda, e aparecem outras. Os professores têm que aprender até as novas gírias, para lidar bem com seus alunos.

Então, já alerta para essas mudanças, fiquei em dúvida. Será que ainda existe a palavra “pasmaceira”?

No mais, um tédio? Não. A palavra certa para mim é pasmaceira.

Em casa, primeira coisa: ainda existe a palavra? Nos dicionários, está. No Houaiss, consta: marasmo, pasmo, imbecil, embasbacamento. No dicionário, há a palavra. E a moda?  Tem-se que seguir a moda, ora.

O detalhe é o seguinte: perguntei ao meu neto de 17 anos. E a um amigo de 45. O neto disse que não sabia o que era. O amigo disse que achava que significava vergonheira…

Em suma: a palavra pasmaceira caiu, mesmo, de moda.

Mal cheguei ao térreo do prédio onde morro, dia seguinte ao retorno da viagem, o porteiro veio me dizer que a filha, que estuda numa escola que visitei dias antes, perguntou se eu era uma senhorinha assim, tal etc.

Senhorinha?  Que palavra é essa? Seria uma senhora pequena?  Mas, não, ela queria dizer uma senhora idosa, como sempre tenho ouvido falarem.

Não é que esses dias um amigo me chamou assim? Contei pra ele que subi o morro do convento num domingo desses, como sempre faço e ele me disse: Nossa! Uma senhorinha subindo o morro do convento? Forte, hein?

Sabe o que respondi pra ele? Se você estiver perto de mim e falar essa palavra, dou-lhe um tabefe! Ele riu e disse: Não falo mais. Sou bobo?

Cada dia esse povo inventa uma expressão para os idosos. Ora é melhor idade, ora é terceira idade, agora senhorinha? Eu hein? Piora a cada dia? É sempre aquele famoso diminutivo para infantilizar o velho?

Prefiro a palavra idosa, como está na lei. Como disse Boff: a partir dos 60, somos oficialmente idosos. A lei não nos chama de senhorinha, nem de melhor idade, nem outra coisa qualquer.

Em suma: a palavra pasmaceira caiu, mesmo, de moda. No lugar, tédio. Idoso parece que ficou só na lei. Na linguagem falada, ficou senhorinha.

Ruy Castro tem toda razão. Palavras caem de moda e outras vão surgindo e, nós, pobres idosos, vamos ter que nos acostumar.

Mas senhorinha… Que palavra horrível!

Aviso aos navegantes: Detesto que me chamem assim.

Maria Francisca – setembro de 2021.

 

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5 comentários


  1. Geraldo de Castro Pereira
    22 de novembro de 2022 às 09:58

    Prezada Francisca!
    Vc. está fera mesmo em crônicas! Gostei tb. muito desta! Continue e publique logo seu livro de crônicas!

    • Está no prelo, Geraldo, meu livro híbrido: Meu Silêncio – Em poesia e prosa.
      Você será um dos primeiros a lê-lo, se desejar, como meu leitor contumaz…rs.
      Obrigada.
      Grande abraço.


  2. Geraldo de Castro Pereira
    22 de novembro de 2022 às 10:00

    Prezada Francisca!
    Vc. está fera mesmo em crônicas! Gostei tb. muito desta! Continue e publique logo seu livro de crônicas!


  3. Marco Aurélio F. Santos
    22 de novembro de 2022 às 11:12

    Esta crônica, assim como as outras que sempre leio, está “TOP”.
    Seguindo a linha das novas gírias, esta substitui “muito boa” ou ainda “boa demais”.

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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