QUE CARA DE PAU! - Maria Francisca

 22 de outubro de 2017 

 

 

 

Os passarinhos cantavam tanto pela manhã, na minha varanda, que imaginei tivesse sol. Qual nada! Um céu coberto de nuvens escuras, prenunciando muita chuva, que não demorou a cair, acompanhada de um frio de doer os ossos. E em pleno outono, arre!
Mesmo assim, resolvi sair a pé, porque havia providências a tomar. Com essa dificuldade de estacionamento, prefiro andar, e ando muito, por todos os lados, seja no bairro, seja no centro da cidade. Parafraseando Adélia Prado, caminho como um judeu errante.
Estava de muito bom humor. Resolvi, então, fazer uma brincadeira com as pessoas. Vesti uma roupa de ginástica, calcei um sapato cinza, armei-me de um grosso casaco de frio e de uma grande sombrinha. Olhei-me ao espelho e gostei do que vi. Fiquei caricata, mas faltava alguma coisa. Lembrei-me de um par de óculos escuros, grande e chamativo, dele me apossei, coloquei-o e fui ver o efeito. Não poderia ser melhor. Caricatura hilária. Saí à rua. Claro que fui por caminhos nunca dantes caminhados, para encontrar apenas pessoas estranhas. Se assim não fosse, graça alguma haveria na minha experiência.
Encontrei, primeiro, um homem. Se me viu, fingiu que não viu, passou incólume. Depois comecei a encontrar mais gente. Uns olhavam, desviavam o olhar, outros riam um riso dissimulado, olhando para os lados, até que encontrei algumas adolescentes. Uma apontou-me à outra e todas começaram a rir. Uma, mais corajosa, chegou perto e disse: Senhora, está chovendo, pra que esses óculos? Eu, séria, mas morrendo de vontade de rir, disse: Porque está na moda, ora… Todas caíram na risada.
E fui andando e me divertindo com o olhar das pessoas. Até que encontrei uma senhora que também estava de óculos escuros. Enoormes… Muito maiores do que os meus. Aí foi a minha vez de olhar. Sem dissimular. Parei e olhei. Ela também parou e, à minha frente, disse, forte: Que foi? Seus óculos, lindos, respondi. Ela riu gostosamente. E disse: Comprei em Londres. Eu consegui manter-me séria e afastei-me depressa, mas desconfiada. Será que teve a mesma ideia que eu?
Andei mais um pouco. Olhei para trás e lá estava a mulher, conversando com alguém e rindo. Ah, com certeza realizava a mesma experiência que eu, pensei. Tive a tentação de ir até lá e conversar com ela, mas me contive. Temi a reação da mulher, caso eu estivesse enganada. Melhor continuar na minha andança de experimentos.
Dei alguns passos, mas senti que acabou a graça e resolvi voltar pra casa, pensando naquela mulher… Será? Chegando ao portão do edifício, é que me lembrei de que não havia resolvido nada das minhas providências.
Chega de cara de pau por hoje. Pior é que a chuva aumentou e caía forte. Mesmo assim, despi-me da indumentária maluca e fui cumprir minha obrigação.
Num outro dia de perfeita loucura, em que a temeridade estiver em alta e a cara de pau brotar com força novamente, sairei por aí, para mais uma dessas brincadeiras.
O resultado? Depois, saberemos. Que vou me divertir, já sei que sim.

 

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12 comentários

  1. Bom dia ! Com a mesma “cara de pau” comento, mas é pura verdade: tenho ganas de fazer o mesmo, só que não tenho esses óculos grandes para poder me esconder, muito menos o capotão de frio. Muito gostosas e leves suas experiências. Abraço fraterno do Attilio.

    • Oi, Attilius.
      Não é sempre que tenho essa “cara de pau” não. So quando estou “atacada”. Já tive cara de pau de participar de um recital de piano, tocando tudo errado…rsrs.
      Obrigada.
      Abraço fraterno.

  2. Prezada Francisca.- Muitas das vezes nos esquecemos do salutar brinquedo que não fará mal a ninguém, e que nos enriquecerá nestas agruras da seriedade da vida. Manter a máscara cotidiana também é um exercício difícil, embora nos passe como corriqueiro e normal. Eu também já fiz uns exercícios do tipo: hoje vou sair e olhar bem nos olhos de quem encontrar na rua. Invariavelmente todos desviam o olhar, talvez porque se treinaram a vida inteira para o esquivo, outras, bem jovens, porque não vislumbraram uma oportunidade muito remota e impossível de acasalamento; outros porque não estão num bom dia e correrão para a farmácia, hospital, delegacia, banco, cartório… quem sabe? Tive um amigo dentista já falecido, que, para brincar com seus filhos pequenos, deu uma saída e voltou travestido da “tia Galvânia”, que nunca tinha sido mencionada na família. Chegou para uma visita de viagem, com peruca, bem maquiada, vestida e gentil, trouxe balinhas e outros agradinhos. A esposa ficou pronta para estourar de rir, mas agüentou firme. Tia Galvânia era uma pessoa muito especial, mas tinha pressa por causa de compromissos. Foi-se embora. Quando o pai chegou ficou surpreso com o que os meninos contaram. Gostaria de vê-la… essas coisas. Acho que souberam muito tempo depois, ou talvez nunca, mas que foi divertido, foi. Brinquemos, pois.

    • Que legal, Attilius.
      Eu ainda não tive coragem de fazer esse tipo de coisa, não, mas a vida anda tão dura, que é preciso muito humor para ir levando sempre.
      Mas um dia saí dando bom-dia pra todos, até para quem ficava de cabeça baixa. Uns respondiam alegremente, outros olhavam desconfiados, outros riam e por aí foi o dia inteiro. Apesar que Valteir já disse que se olhar, cumprimento, se sorrir está arriscado a ganhar um abraço…rsrsrs. Eu escrevi uma crônica com este título: Se sorrir arrisca-se a ganhar um abraço.
      Um abraço fraterno a você, apesar de não ter sorrido…rsrs.


  3. Denise Sant Anna Marino
    25 de outubro de 2017 às 13:33

    Rsrsrs rir e´o melhor remédio, sempre! Em situações inusitadas, melhor ainda rsrs. Desde aquele dia, do Kombucha , não falo com
    a Doutora, será que daria uma crônica ou um conto? Há muito tempo que não me divertia assim, pensei em convidá-los para viajarem comigo , num final de semana , por exemplo , nada planejado e na esperança que aconteça algo de inusitado rsrsrs. Estou na expectativa mas sei que não acontecerá rsrsrs

    • Sabe que vou pensar em algo sobre a kombucha? Boa ideia. Foi muito inusitado aquele estouro. Mais ainda, nossa faina para limpar tudo…rsrs.
      Um abraço e obrigada, Denise.

  4. Tia Chica,
    Amei a crônica, como tantas outras tbem!.Fiquei imaginando você com esses aparatos. Deve ter sido bem engraçado. Faltou uma foto pra estampar essa aventura . Mas é preciso sair da rotina e fazer algo que nos deixe mais leve. Bjs

  5. Bom,o que falar das suas crônicas? Eu sou suspeito, pois, gosto demais, ainda mais dos “causos”. Sempre criativa, e com um ideias sensacionais que só poderiam vir de uma pessoas alegre e comunicativa como você. Mais um título para a coleção. Parabéns, e porque não aproveita essa ideia da Tia Galvânia e quem sabe não aparece um vô Furostreco para animar os netinhos. kkkkkkk Abraços

    • Edson, acho que você deveria começar a escrever. Colocar as suas ideias para lermos.
      Quanto a essa história do Attilius, a cara de pau ainda não permitiu…rsrs.
      Obrigada e um abraço.

  6. Adorei! Bendita cara de pau de buscar novas experiências e nos brindar com seu texto.

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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