POCOU, CHEFE!
– Pocou, Chefe!
– Anda, anda! Lerdeza!
– Tô procurado o que pocou, chefe, pera aí.
– Ô, Ô, anda, que bosta é essa? Vem trabalhar…
Diálogo que ouvia hoje, enquanto fazia alongamento no final da Praia da Costa, perto do antigo Clube Libanês.
Um senhor chegava com um carrinho de mão, cheio de coco, de cima do calçadão, despejava lá embaixo, na areia. Espalhavam todos. Uns “pocavam”.
Um jovem ia pegando, jogava um por um perto de uma barraca que vendia coco na praia, levantando a areia pra todo lado, na maior displicência.
Um outro senhor vinha de outro lado e gritava com o que estava jogando os cocos, falando palavrões…
Fiquei por ali, pensando nesses trabalhadores e não pude deixar de lembrar de uma dessas histórias pra ensinar a viver, como gosto de apelidar certos contos.
Um trabalhador chega em casa muito chateado, porque levou uma bronca do patrão. À primeira palavra da esposa, dá-lhe uma boa “patada”. A esposa vai fazer o jantar, o filho chega choramingando e ganha uma palmada. A criança vai para o quintal da pequena casa, chorando, o cão começa a lamber-lhe o pé, e ganha um chute.
Só não sei quem era o mais frágil na história do coco. Penso que todos.
Tive vontade de entrar na “briga” e dizer: Parem… Por que se ferirem assim? E já que todos estão no mesmo barco, por que não se ajudam mais? Mas me acovardei, nem sei por quê. Talvez por medo de “barraco”, ou para não desagradar às pessoas, como disse Falero na crônica “Passe livre”, ou como ouvi numa palestra, com medo de me mostrar out.
Sei não. Penso que eu fiquei foi a desculpar aqueles três: Num dia de sol e mar, muitas pessoas na praia… Por que não estou na praia aproveitando essa beleza? Por que eu tenho que dar duro, enquanto outros estão se deleitando?
Será que estariam pensando assim, já que agiam com tanta rudeza uns com os outros?
Quantas vezes, eu também já não pensei assim… Mas quem garante que a pessoa que está na praia está bem? Tem saúde, emprego, família? Muitos ali estão, porque não têm casa. Outros, estão em férias, doentes ou aposentados. Todos com seus motivos.
Ter um trabalho, é ter dignidade. Além disso, com tanto desemprego… Quem tem trabalho, deveria pôr as mãos pro céu. Por isso, esses trabalhadores que ouvi hoje deveriam estar bem consigo mesmos e com os outros. Mas cada pessoa é uma pessoa. Uns atrelam o trabalho a uma bênção, outros a uma missão, outros a uma sina, outros, ainda, a um castigo.
E quem encara o trabalho como sina ou castigo não tem como estar feliz, mesmo.
Voltei para casa desanimada.
Eu pensei que a pandemia iria melhorar as pessoas, mas qual! Acho que pioramos nossos relacionamentos. Aliás, não pioramos, estamos iguais. Só que muitos perderam a vergonha e fazem o que querem à vista de todos, e nas tais redes sociais.
Estou me transformando numa pessimista chata…Afe!
Maria Francisca – Fevereiro de 2022.
Edson Lopes
5 de fevereiro de 2022 às 18:33
Vou ser repetitivo, afinal fã é assim! Quando eu crescer quero ser igual a você ou pelo menos um pouquinho criativo e perspicaz. Parabéns.
mariafrancisca
5 de fevereiro de 2022 às 20:40
Edson, você é demais! Obrigada pelo carinho de sempre. Grande abraço.
Leandro Bertoldo Silva
6 de fevereiro de 2022 às 12:14
Ouvi uma vez dizer que vivemos no mundo das “fumaças”. O que isso quer dizer? Que cada um carrega consigo a sua fumaça, e quando uma se encontra com a outra e as duas estão carregadas… Sai de baixo! “Poca” mesmo!! Daí a necessidade de nos entendermos e vigiar as situações.
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2022 às 12:38
Não sabia dessa história, meu caro Leandro. Mais uma desse Quixote das Gerais para eu guardar.
Obrigada,
Um abraço,
Francisca
Helio
6 de fevereiro de 2022 às 12:39
Se Vc tivesse falado algo certamente diriam que era coisa de madame ou grã-fina! Muito boa a crônica!
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2022 às 13:33
Nunca se sabe, né, Hélio?
Obrigada pela leitura e comentário.
Grande abrao,
Francisca
Attilio Carattiero
6 de fevereiro de 2022 às 18:00
O cotidiano é cruel. Estamos perdendo a noção de tudo. Melhor enfiar a cabeça na areia pra não ver, como avestruz, deixando as coisas “pocando” lá fora? Parabéns: quem tem olhos sempre vê…e tem o que contar, junta-se talento. Pronto.
mariafrancisca
6 de fevereiro de 2022 às 19:50
Meu amigo Attilio, que bom que você conseguiu acesso ao blog! Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Grande abraço,
Francisca
Tariane Vitória
7 de fevereiro de 2022 às 13:51
Tia Francica, adorei seu texto! Essa história me fez lembrar de um samba:
Ninguém sabe a mágoa que trago no peito
Quem me vê sorri desse jeito
Nem sequer sabe
Da minha solidão
É que meu samba me ajuda na vida
Minha dor vai passando esquecida
Vou vivendo essa vida
Do jeito que ela me levar
Realmente, não sabemos o que cada um traz dentro do coração, as tristezas, alegrias, angústias. Só nos resta respeitar e, quando possível, ajudar de alguma forma.
Saudade, beijos
mariafrancisca
7 de fevereiro de 2022 às 15:42
Sim, Tariane, cada um sabe de si, mas nós temos a tendência de tentar resolver as questões que entendemos injustas. Obrigada pela leitura e comentário.
Grande abraço,
Francisca
No caso da crônica "Pocou Chefe", dos vendedores de coco, deveriam agradecer sim, o fato de existirem muitos a se divertirem, porque gerava emprego e renda
19 de fevereiro de 2022 às 21:26
No caso da crônica “Pocou Chefe”, dos vendedores de coco, deveriam agradecer sim, o fato de existirem muitos a se divertirem, porque gerava emprego e renda.
Já vi muita gente que achava que trabalho era castigo e maldição.
Mas, vi tambem muita gente animada!
Em suma, as pessoas são diferentes!