Os anéis ou os dedos? - Maria Francisca

 25 de outubro de 2017 

 

 

O ditado e o operário: Os anéis vão ficar. Há dúvida quanto aos dedos.
José Irmo Gonring

Há pouco tempo, escrevi uma crônica sobre a escravidão moderna para uma revista literária, cuja publicação será em dezembro. Eis-me, agora, surpreendida com a Portaria 1.129, do Ministério do Trabalho e Emprego, dispondo sobre o trabalho em condição análoga à escravidão, reduzindo-a, todavia, ao fato de estar o empregado sem liberdade de ir e vir. Isso, a pretexto de estabelecer as regras do seguro-desemprego para as pessoas resgatadas da situação considerada degradante.
É incrível, como uma Portaria de um Ministério pode afrontar leis, tratados internacionais e ainda, no preâmbulo, ou “considerandos”, citar todas essas leis e tratados. Tem-se a impressão de que esses governantes não leram nada dessas normas, ou, pior, zombam do povo.
Desde a edição da bendita portaria muitos órgãos, como Ministério Público, Ministério Público do Trabalho, Entidades Internacionais e de classe e alguns Ministérios do mesmo governo condenaram o texto dessa norma.
A explicação dos que a defendem: ela apenas retira a subjetividade dos conceitos do Código Penal, trazendo segurança jurídica às relações de trabalho. E o Ministro continua dizendo a mesma coisa, mesmo depois que os efeitos da Portaria foram suspensos pela Ministra do STF Rosa Weber. Disse que não vai revogar a norma. Vai apenas aperfeiçoá-la.
Se reduzir o empregado à condição análoga a escravo é simplesmente impedir o seu direito de ir e vir, o que fez o governo foi rasgar o Código Penal, como disse o colega Marcelo Tolomei, numa entrevista na Rede Gazeta ontem. E a falta de água para beber? E dormir sobre esgoto? E não receber a remuneração? E não poder deixar aquele patrão, porque tem dívida que não acaba nunca? E um cortador de cana ou trabalhador em carvoaria trabalhar 15 horas por dia? A Gazeta noticiou inúmeros casos de condição degradante, todos sabemos. E o que noticiou com fotos não é trabalho escravo?
Agora a expressão segurança jurídica virou moda. Tudo é para dar segurança jurídica. As mudanças das leis trabalhistas trazem “segurança jurídica”, mesmo com tantos absurdos, como tarifação de dano moral. O valor da condenação em dano moral vai depender do salário do ofendido. Se ganha pouco, o valor é menor. Se ganha mais, tem direito a uma indenização maior. Conceito de igualdade da nova lei: ao pobre, a pobreza sempre. O sofrimento do pobre tem menos valor.
Dizem as más línguas que o governo quis agradar à bancada ruralista no caso da portaria e, na reforma trabalhista, aos empresários que o apoiam. Com tanta coisa estapafúrdia, chego a acreditar nisso.
É. Infelizmente, tenho que concordar com meu amigo jornalista, cronista e poeta, José Irmo Gonring, no seu belo livro “Garimpo de estrelas”: os anéis vão ficar. Há dúvida quanto aos dedos. Do operário, claro.
Maria Francisca – outubro de 2017.

 

 

COMENTE:

11 comentários

  1. Exposição clara, concisa e atual. Não podemos esquecer do Ministro Gilmar que defende a nova Portaria. Parabéns

    • Oi, Euler.
      O que dizer do Ministro Gilmar Mendes? Ele anda falando tanta coisa esquisita que no dia em que não falar, vamos achar mais esquisito ainda. Está perdendo a credibilidade e colocando no mesmo balaio o STF e o judiciário todo. Infelizmente.
      Obrigada e um abraço.

  2. Muito bom Francisca !
    Enfrentou o tema com segurança e exatidão.
    ???
    Bjus
    Alda

  3. Brilhante tia! A esperança de um judiciário mais justo vai ficando cada vez mais distante.

    • Grata, Tatá. Tomara que você não tenha razão e nossa esperança se concretize. Vamos ser realistas esperançosos como diria Suassuna.
      Beijos, querida

  4. Será que isso não é mais um Factóide e desviar a atenção do povo para as manobras do governo, tal qual fizeram com o projeto de Lei que reduziria a floresta Amazônica? Nesse Brasil podemos esperar de tudo….

    • Tomara fosse, Edson. Mas o Governo continua dizendo que não vai revogar a tal portaria. Tomara o STF não falhe aos trabalhadores, desta vez.
      Obrigada e um abraço.


  5. Regina Lúcia Pinto Rangel
    28 de outubro de 2017 às 18:31

    Minha Amiga
    Segurança jurídica deveria ter o povo brasileiro no tocante às roubalheiras que não cessam nunca. Belo texto e apropriado para reflexões!Beijos!Boa noite!

    • Pois é, Regina. Se o povo tivesse segurança jurídica de, principalmente, não ser roubado…
      Um abraço, querida amiga, saudades de você. Torcendo para que chegue rápido o 15/11.

  6. Prezada, sempre, Dra. Maria Francisca. Parabéns pela lucidez e pela sensibilidade de abordar esse tema caro para a sociedade brasileira.

Responder


Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


Receba nossas novidades:

Arquivos por mês: