Conversando com uma amiga sobre as brincadeiras da nossa infância, lembramo-nos de muita coisa daquela época que nos deixava intrigadas, mas ninguém sabia explicar o que era. Mistério para nós que ficou esquecido num canto da memória.
Adulta, fui encontrando, por acaso, as respostas.
Brincávamos de roda e cantávamos: Fui no Tororó, beber água e não achei (…). O que seria Tororó? Quando fui morar na Bahia foi que conheci o Dique do Tororó, lago tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Primeiro mistério desvendado. Fiquei longo tempo olhando aquele belo lago.
Outro mistério: Se caia algum cisco no nosso olho, nossa mãe nos ensinava rezar assim: Corre, corre, cavaleiro, no caminho de São Tiago; vá buscar Santa Luiza, pra tirar o cisco do meu olho. E o cisco saía. Fé? Não sei.
No final da década de 90 fui à Espanha e tive a oportunidade de visitar Santiago de Compostela, aquela bela Cidade. Passando de ônibus pela estrada, meus olhos abriram-se: Ah! O caminho de Santiago! O cavaleiro passava correndo e ia à Igreja de Santa Luzia para pedir-lhe para ser a intercessora na retirada do cisco do meu olho! Eureca!
Agora, uma gíria. Se algo era muito longe, ermo, dizia-se: Lá no Cacha- Prego! Ou, se queria xingar alguém, vá pro Cacha-Prego! A primeira vez que fomos a Salvador, até paramos o carro para tirar foto da placa, com a seta indicando a direção de Cacha-Prego. Trata-se de um vilarejo da ilha de Itaparica, Bahia, assim chamado devido a sua atividade pesqueira.
Por último, um tio que gostava muito de brincar conosco, contava a seguinte história: Quando o galo estava tentando conquistar uma galinha, ele chegava dando aquelas voltinhas perto dela e dizia. Ocê hoje está na “ponta”. Ou seja, na ponta da orelha. Uma beleza! Ela, faceira, respondia: É de bendegó!
Ríamos a valer dessa história, mesmo porque ele a contava fazendo os gestos, bem teatral.
Um dia perguntei-lhe: Tio, o que é bendegó? Ele riu e disse: Sei lá! Achei a palavra interessante e inventei a história.
O tempo passou e Bendegó só era lembrada para falarmos das histórias que o tio inventava. Ninguém procurou saber de que se tratava.
Esses dias, lendo as crônicas escolhidas de Machado de Assis (seleção, introdução e notas de John Gledson), uma surpresa: Bendegó existe. É no sertão baiano. Um meteorito de mais de cinco toneladas, caiu em Bendegó, no século XVIII, e o governo resolveu mandar transportá-lo para o Rio de Janeiro. Consta que esse fato tinha sido objeto de notícias e chacotas na imprensa havia alguns meses. Machado de Assis fala, ironicamente, sobre esse transporte nessa crônica.
O Bendegó é a maior rocha espacial já encontrada no Brasil. Em 1784, no Sertão da Bahia. Ele é um bloco de mineral de ferro e níquel, com a forma de uma grande tartaruga sem cabeça e está exposto no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, desde 1888.
“O Bendegó nunca foi apenas um aerólito fundamental para compreender fenômenos astrofísicos. É um símbolo místico do povo sertanejo, herança da grande nação Kariri que incluía os Arrecuais, Opacatiarás, Chacriabás, Pontás, Masacarás e Chocós ou Chucurus, daí o nome Bendegó que significa “vindo do céu”.” (SIQUEIRA FILHO, José A.; BOMFIM, Luciano S. V.; NETO, Hermes Novais. O Bendegó: símbolo de resiliência das coleções científicas do Brasil. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, seção Extra! [conteúdo exclusivo online], 01 nov. 2018.).
Dizem os autores, que, inclusive, defendem o retorno do Bendegó ao lugar de origem, que até hoje, pessoas letradas lhes perguntam: O que é Bendegó?
Mistérios descobertos, enigmas decifrados…
E você? Sabia o que é Bendegó?
Maria Francisca – dezembro de 2024.