O papudo (Ou histórias de avô) - Maria Francisca

 8 de maio de 2021 

 

Numa cidade no fim do mundo, imagino do tipo de Sucupira, da novela de Dias Gomes, vivia Jonas, um político falastrão.

Falava tanta bobagem que era motivo de brincadeiras. Se fosse hoje, surgiriam as charges, memes etc. Contador de vantagem, sabia tudo, dizia palavrão, falava mal das pessoas. Depois de um tempo, não era mais levado a sério.

Ora, Jonas é um bobo! Um papudo!

Mesmo assim, ele, adorado por muitos, continuava com suas “habilidades”. Parafraseando Umberto Eco (Número Zero), no seu gênero, ele era um gênio.

Pois bem. Naquela cidade, no alto de um morro, havia uma enorme gameleira de cerca de 20 metros de altura, centenária. Suas raízes eram tão grandes que formavam uma espécie de caverna entre elas. Segundo o folclore, gameleira sempre foi lugar de esconderijo de malfeitores. E, naquela cidade minúscula, todos acreditavam nisso. Ninguém tinha coragem de chegar perto da tal gameleira.

Depois de um tempo, o local passou a ser a morada de diabos. Segundo a crença, muitos diabos que ficavam pelas ruas fustigando as pessoas, à noite, iam descansar ali, nas cavernas das raízes.

O papudo falava que já tinha visto esses diabos e conversava com eles, de vez em quando. Tanto falou que as pessoas começaram a provocá-lo, instigando-o a contar como eram essas criaturas e o que diziam.

Cobraram, cobraram. Ele, acuado, certo dia foi para a montanha e subiu na gameleira. E seus apoiadores foram junto, claro. Eram a sua claque. Mas todos com medo dos diabos, ficaram em silêncio, aguardando no meio do mato.

Jonas ficou ali, esperando. De repente, ouviu barulho de muitos passos, escondeu-se entre as ramagens e ficou quieto, o coração saindo pela boca. Era verdade…pensou. Os capetas estavam ali, dançando… e falavam algo que ele não conseguia identificar. Apurou mais o ouvido e viu que cantavam, num ritmo rápido, como se fosse um rap: oi segunda, oi terça, oi quarta, oi quinta, oi sexta e paz. Repetiam, repetiam muitas vezes, a mesma cantoria.

O papudo, claro, tudo sabia e a vaidade deu-lhe coragem, resolveu consertar o que os diabos estavam dizendo: quando eles disseram oi sexta, antes que falassem paz, ele disse: Oi sábado e Oi domingo também.

Os diabos calaram-se e foram procurar quem havia falado. O papudo, cheio de si, se achando, como dizem os meninos, apareceu todo serelepe e sua claque correu para ver.

O diabo que parecia ser o chefe disse: Ah! Bem que já ouvi falar de você. É o Papudo! Para fazer jus ao seu nome, dou-lhe um presente.

E colou um imenso papo no papudo.

Maria Francisca – maio de 2021. (História recontada por Gê, minha irmã mais nova.)

 

Mariafrancisca.blog.br

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10 comentários

  1. Parabéns por mais um “causo”,os quais eu gosto muito. Cada causo que você conta ou escreve eu me divirto e aprendo. Não me canso de falar que você é uma inspiração. Bjs. Espero outros mais.

    • Meu caro amigo, você já está ficando suspeito…Rsrs. E sempre é o primeiro. Você é um leitor qualificado. Obrigada pela leitura e comentário. Um abraço.

  2. Minha poeta preferida, você faz inveja para mineiro com seus “causos”. Sua inspiração só pode ser pelo Espirito Santo! Adoro ler o que você escreve, sem desmerecer os demais juizespoet@s.

  3. Vim o mais rápido que pude. Obrigado, Francisca. Texto muito bom, que nos alegra. Ele não conseguiu ficar de boca fechada, sem falar besteira.

  4. Como diz a Bíblia: “Até o tolo, estando calado, é tido por sábio; e o que cerra os seus lábios, por entendido.
    (Provérbios, 17.28)

    Vendo os comentários acima me falta palavras pra descrever um aprendizado em “causos” como este.

  5. Esses “causo” aí faz parte das infindáveis idas e vindas da faculdade junto com Mamãe… acho que vovó Sebastiana também já se arriscou algumas vezes em confirmar esse fato verídico… lá pelos lados de sua terra natal. Ficou ótimo!

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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