NÃO GRITE! - Maria Francisca

 28 de abril de 2023 

Que a vida é tão breve e o tempo não espera ninguém

(Padre Fábio de Melo)

Esses dias, assisti a uma discussão no calçadão da praia.

Era um casal de idosos. Um deles tentava amarrar alguma coisa e o outro interferindo: Não é assim, é assado. A mulher falou alto: Deixe-me fazer do meu jeito. O homem: Não grita! Ela: Quem está gritando é você…

Não resisti e comecei a rir perto deles. Eles riram comigo e ela disse: 51 anos de casados dá nisso, né? Eu falei: Estou um pouquinho acima: 52 anos. Ela:  Às vezes, a gente fica de saco cheio, não é? Eu: Sim, e eles também… Rimos os três e continuei meu trajeto.

Depois desse episódio, pensei: Como é difícil conviver! E se não temos ninguém, nós não aguentamos a solidão, porque o ser humano é gregário.

Não sei se redes sociais, a falta de espiritualidade (que nada tem a ver com religião), levam a isso, mas, cada vez mais, vemos brigas, ameaças de quem é de outra linha, seja política, seja religiosa… Marido, mulher, cada um de um lado, brigando.

No livro “O Banquete” de Platão, consta que Aristófanes fala, numa das reuniões, de um interessante mito sobre a origem do homem. Segundo ele, na origem, o homem era dotado de órgãos duplos. Mas esses órgãos eram muito ousados e resolveram atacar o Olimpo. Os deuses, resolveram vingar-se, e os homens foram separados em duas metades. Desde então, os homens vivem à procura da metade que perderam. Quando a encontram, encontram a felicidade.

Hoje, as pessoas brincam de procurar a cara-metade. E, muitas vezes a encontram e não a reconhecem. Por isso, acabam perdendo a chance de viverem felizes.

Já sabemos, como teria dito Bauman, que tudo é líquido, até o amor. Se tudo é líquido, não há relacionamento que perdure.  A intolerância vigora em todos os sentidos. Melhor quando não descamba para a violência e para o abuso, como vemos tantos, nos casamentos, como nas amizades, e nos demais tipos de convivência.

Natalia Timerman, hoje, 02/04/2023, na Universa, sobre as manifestações raivosas no twitter: “Mas ah. Como é bom viver acreditando que quem erra são sempre os outros, só os outros, e que por detrás de um perfil não há suor nem lágrimas. E mesmo se houver: pelo menos não são os seus…. “

O inferno não poderá continuar sendo apenas os outros. Como disse Boff, hoje, “(…) somos seres portadores da dimensão de amor e de ódio, de luz e de sombra, da pulsão de vida e da pulsão de morte, do sim-bólico (que une) e do dia-bólico(que desune). Somos a unidade dialética destas contradições”.

Da mesma forma respondi à senhora no calçadão, não só nós ficamos cansados. Todos ficam.  Ninguém pode sentir o que o outro está sentindo, por mais que tenha afinidade com essa pessoa e por mais alto que seja o grau de empatia por ela.

Um belo exemplo temos no livro utópico de Huxley, A Ilha, que já citei em crônica anterior. Na terra imaginária de Pala, a professora faz uma experiência com as crianças. Manda que cada uma belisque a outra. E haja ais e uis…Aí, ela pergunta: Vocês podem sentir o que cada colega beliscado está sentindo?

Por isso, que sejamos, pelo menos tolerantes, como forma de mantermos nossa sanidade e nossa convivência harmoniosa com quem quer que seja. E quando encontramos nossa metade perdida, tratemos de cuidar dela, para a felicidade das duas metades.

Como disse o Padre Zezinho, “Chamam a isso de utopia. Eu a isso chamo paz!

Então, dialogue! Não grite!

 

Maria Francisca – Início de dezembro de 2022.

 

 

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2 comentários

  1. Só uma pessoa com a sua capacidade de ouvir e escrever poderia, com apenas uma caminhada no calçadão e ao ouvir uma pequena discussão, descrever um texto tão interessante e rico de detalhes. mais uma vez o que posso eu dizer? mais uma vez Parabéns.

    • Meu amigo Edson, você sempre muito gentil, generoso, a mais não poder, em relação aos meus escritos. Agradeço, de coração, por sua leitura e comentário. Grande abraço.

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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