NADA - Maria Francisca

 6 de março de 2021 

Manoel de Barros escreveu um livro que chamou “Livro sobre nada” e, na apresentação, disse que Flaubert queria escrever um livro sobre o nada metafísico, “mas o nada do meu livro é nada mesmo (…) um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo etc.”, disse.

Só de escrever assim, já se vê que não é um livro sobre nada. Ele apenas brinca com as palavras, dando-lhes conotação própria.

Já Sartre escreveu seu famoso livro “O ser e o nada” que causou muita polêmica, espanto e admiração na época, por ter contestado algumas verdades consolidadas. E, afinal, é um livro denso.

Falando bem, o “nada” de ambos é tudo.

O que é “nada”?  Segundo Houaiss, o que não existe, não-existência, o vazio, coisa nula, sem valor, bagatela, ninharia, inutilidade, categoria filosófica que representa o não-ser, a ausência de existência. Continuando a ler, há uma coluna inteira para dizer sobre a palavra “nada”. Palavra importante, então.

E não ser nada? Já que a palavra ganha tanto destaque…

De vez em quando me pego pensando que sou um nada.  Quando sou invisível. Ou quando me fazem de invisível. Fingem que não me veem.  A minha roupa, a minha bolsa e meu sapato mostram quem sou. Se não forem da moda ou de marcas famosas, sou um nada.

Imagine um gari. Passa o dia por ali, varrendo, limpando… Faz um serviço útil, utilíssimo, mas nós não lhe damos o devido valor. Para muitos, gari é nada: insignificante.  Porque nossa sociedade vê importância em ter, consumir. Mostrar-se. Aparecer, mesmo que seja de total inutilidade, um nada, esse “aparecer”.

Por outro lado, “A utilidade do inútil”, livro de Nuccio Ordine, vem mostrar-nos que o nada, o inútil, muitas vezes, “É necessário para expressar com sua própria existência um valor alternativo à supremacia das leis do mercado e do lucro.” Dessa forma, escrever um poema, por exemplo, seria inútil e, portanto, nada.

As vogais existem. As consoantes só existem em função das vogais. Sem vogais, portanto, as consoantes não teriam som, diz Ordine.

Então, pergunto, as consoantes são um nada?  São inúteis?  Ninharia? Coisa nula?

E se as vogais não tivessem a consoante? Que palavras formariam? Nada?

Essa história sobre “nada” só mostra que precisamos uns dos outros. Sem o outro não sou nada. Quando “há lacuna de gente”, no dizer de Manoel de Barros, a vida fica triste.

Por fim, de tanto pensar sobre “nada”, não sei mais NADA.

 

Maria Francisca – 02.08.2020

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2 comentários

  1. Comadre você me trouxe a lembrança de um texto ,se não me engano , de Rubem Braga quando o padeiro bate na porta de uma casa para entregar o pão , a moradora questiona quem era , ele responde não é ninguém , é o padeiro.

    Ele se identifica como um nada , alguém sem valor.

    Você com sua facilidade de se expressar sempre cria e filosofa sobre pensamentos e obras de autores.

    Gostei muito da sua interpretação do NADA. Parabéns !

    • Oi, Comadre. É uma crônica do Rubem Braga, sim, nosso grande cronista capixaba. Sabe que só agora lembrei-me dessa crônica? É sim, o padeiro explicou o motivo do apelido. E Rubem Braga, voltando do Jornal onde trabalhava, sentiu-se um ninguém, um nada.
      Obrigada pela leitura e pelo comentário carinhoso.
      Gramde abraço.

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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