MULTIDÃO SILENCIOSA - Maria Francisca

 13 de fevereiro de 2024 

Hoje, na sala de espera de uma laboratório, onde fui acompanhar meu marido, fiquei a observar as pessoas, todas sentadas em silêncio, quebrado apenas pelo telão eletrônico, quando um robô vai chamando as senhas.

De vez em quando, aparece um técnico de carne e osso, para chamar o paciente que ali está sem a menor paciência.

Quando vou a qualquer clínica, levo sempre um livro. Esse dia, esqueci-me. Saí depressa, porque pensei estar atrasada…

O exame seria apenas depois das 9h. Ficamos ali a esperar e eu a observar as pessoas.  fazendo um passeio socrático diferente. Olhando, observando, criticando em pensamento (pode?). Após algum tempo, sentei-me.

O salão do laboratório era enorme e uma multidão silenciosa ali quieta. Todos com seu celular a postos. Vagava uma cadeira, chegava alguém, e sentava-se, sem sequer olhar para a pessoa que ali já estava. Homem ou mulher, jovem ou velho, da mesma forma.

Um tempo atrás, quando muita gente se encontrava num mesmo local, fosse em aeroporto, rodoviária, sala de espera qualquer, era sempre um barulhão de vozes, porque as pessoas conversavam. Hoje, ninguém olha nem sequer para o lado. Ligado em seu celular que, inadvertidamente, solta, de vez em quando, um barulho de algum vídeo.

Hoje, na rua, no calçadão, na igreja, em qualquer lugar, ninguém se  cumprimenta, a não ser os amigos. Eu até estou mudando meu estado de espírito. Eu, que cumprimentava a todos, estou deixando esse costume, porque, não há um rosto a me ver quando cumprimento.  E, se cumprimento assim mesmo,  não há resposta. Ninguém ouve, ninguém vê.

A virtualidade está tão presente na vida das pessoas, que os concursos literários têm feito alerta sobre textos por IA.

Frei Betto, alertava, numa crônica de 2010,  “Passeio Socrático”,  “Em outro dia, eu observava o movimento do Aeroporto de São Paulo: a sala de espera estava cheia de Executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos”…

Mais adiante: “Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação, porém, de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais…”

Ele tem toda razão. A linguagem jurídica consagrara a máxima: “O que não está nos autos, não está no mundo”, a dizer, só valia, para o processo, o que estava nos autos.

Depois, com a evolução da internet, das redes sociais, o brocardo passou a ser: “O que está no mundo, está nos autos”, ou seja, as provas podem ser captadas em qualquer espaço virtual,  desde que certificada a origem.

A novidade é: “Se não está nas redes, está fora do mundo”, isso para os mortais que ainda querem, como eu, a vida ao vivo e em cores. Mas não me iludo. Cada vez mais a tecnologia toma conta de tudo.

E as pessoas ficam robotizadas.

Na Igreja, chego sempre mais cedo. Se entra um casal  e fica no mesmo banco, nem olha para meu lado. Eu olho, olho, e nada de alguém olhar, para receber meu cumprimento, parece que não há ninguém ali, exceto na hora da “Paz de Cristo”. Aí, todos riem, cumprimentam-se, na maior alegria.

Então, o melhor remédio é nunca esquecer meu livro,  quando sei que tenho que esperar algum tempo, nos consultórios médicos, por exemplo.

Pior, ou melhor de tudo, não sei, o livro que eu estou lendo chama-se “Vida ao Vivo”.

E eu quero Vida!

Maria Francisca – janeiro de 2024.

 

 

 

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2 comentários


  1. Geraldo de Castro Pereira
    15 de fevereiro de 2024 às 15:16

    Muito boa sua crônica!É assim mesmo! Não tem mais jeito!


  2. Geraldo de Castro Pereira
    15 de fevereiro de 2024 às 15:16

    Muito boa sua crônica!É assim mesmo! Não tem mais jeito!

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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