“Quando me caía nas mãos uma obra ordinária, ficava contentíssimo: – Ora, muito bem. Isto é tão ruim que eu, com trabalho, poderia fazer coisa igual.
Os livros idiotas animam a gente. Se não fossem eles, nem sei quem se atreveria a começar”, dizia o personagem Luís da Silva, de Graciliano Ramos, em “Angústia”, livro que, segundo consta, escrevera na prisão, em 1936.
Luís escrevia e escrevia. Vendia contos e poemas, como um ghost writer, para sobreviver, já que, funcionário público, ganhava muito pouco. Lia, lia muito, e se vangloriava. Quando alguém perguntava sobre um livro que não lera, dizia: muito ruim.
Li esse trecho e ri sozinha, porque foi assim que comecei a publicar os meus escritos.
Eu escrevia há muito tempo, mas não tinha coragem de publicar e, muitas vezes, jogava fora. Um dia, andando pelas ruas de Belo Horizonte, entrei, por acaso, em uma livraria e dei de cara com um livro de poemas e crônicas de um famoso apresentador de TV. Em casa, fui ler o tal livro. Ruim, a mais não poder.
Então, pensei: Eu também posso!
Mas após meditar sobre esse trecho de Angústia, pensei: quem sabe estou incentivando outros escritores, com minha pobreza literária e minha coragem (ou temeridade) de publicar meus poemas e crônicas?
Pode ser isto: leem meus escritos e, da mesma forma que aconteceu comigo e registrado pelo personagem de Graciliano Ramos, a pessoa pense: também posso, e passe a publicar seus trabalhos.
De vez em quando, alguém me pede para ler algo que escrevera. Se eu elogio, tudo bem, mas se faço alguma consideração do tipo: você pode escrever assim e assado, ou, seria melhor se colocasse desse jeito, essa pessoa nunca mais me traz nada para ler. Todos só queremos elogios. É da nossa natureza.
Alguns escritores principiantes seguiram minhas sugestões e até publicaram livros excelentes. Muito, mas muito melhores do que os meus. E eu fiquei muito orgulhosa do trabalho deles.
Eu também caí nessa armadilha de querer só elogio. Seguindo o exemplo de um colega escritor, arranjei um leitor-beta. A questão foi que ele nunca gostava de nada que lia. Então, deduzi que não valia a pena. Será que era tão ruim assim, tudo? Desanimei e fiquei um tempão sem escrever nada.
E quando participo de concursos literários e meu trabalho nunca é escolhido? Já aconteceu muitas vezes. E não era nenhum prêmio Jabuti. Aí, sim, o desânimo bate. Não participo de mais nenhum, prometo, e penso não escrever mais nada… Pura vaidade!
Entretanto, depois do episódio da aula de pintura que abandonei por causa de uma crítica áspera, que já virou crônica, não quis repetir a decisão de desistir do que gostava de fazer, mesmo sabendo das dificuldades. E prometi a mim mesma nunca mais fazê-lo. Labirintos são, mesmo, para desanimar.
Passado algum tempo, recomecei. Aprendi que teria que conviver com todo tipo de leitor, se eu quisesse sobreviver. Uns gostam, outros não, uns muitos, outros quase nada, outros sentem-se ofendidos…Segui, entretanto, escrevendo minhas historinhas e meus poemetos. E, de vez em quando, tomando uma pancada nos concursos literários.
Li, há pouco tempo, uma entrevista do Vinícius de Morais (In “Escritores do Brasil, n.10). Ele disse que ficou muito vaidoso quando publicou o primeiro livro, foi muito elogiado e premiado, mas alguns críticos o colocaram direitinho em seu lugar. Disse mais: não gostava de nada do que lia ultimamente. Tudo estava muito ruim.
Então, vejamos, mesmo de escritores famosos lemos coisas boas e não tão boas, segundo nossa visão, às vezes até no mesmo livro, como num caso de um superpremiado, cujos contos são, na maioria, ruins para meu gosto.
Vargas Llosa disse, na apresentação do livro A linguagem da paixão: “Não festejo nem lamento essas críticas aos meus artigos: eu as considero como provas da independência e da liberdade com que os escrevo.” Só que, mesmo dizendo-se independente, fez questão de desclassificar os opositores, numa clara demonstração do ensinamento de Shopenhauer, de “Como vencer um debate sem ter razão”.
Além disso, muitas vezes, nós mesmos achamos péssimo o que escrevemos e temos vontade de deletar tudo, mas nem sempre é possível. E se vem a crítica severa, somos obrigados a aceitar.
Afinal, se nem Vargas Llosa se livra de críticas. Eu que vou me livrar?
Então, vou costurando minhas palavras. Se elogiam, alegro-me. Se criticam, entristeço-me, para, em seguida, enfrentar o labirinto…
Maria Francisca – setembro de 2021.
Geraldo de Castro Pereira
12 de outubro de 2021 às 08:49
Amiga e colega Francisca! Sempre nos deleitando com suas maravilhosas crônicas! Meus parabéns!
mariafrancisca
12 de outubro de 2021 às 08:54
Obrigada pela leitura e gentil comentário, meu caro amigo. Um abraço.
Desirée Rabelo
13 de outubro de 2021 às 10:16
Adorei o texto e a proposta para que ousemos a apresentar o que vai dentro de nosso coração (seja na escritura, na pintura etc), Quantas palavras são caladas porque tememos as críticas!!! Palavras que poderiam ajudar a iluminar o dia de tantas pessoas… Obrigada por nos lembrar que “eu também posso!”
mariafrancisca
16 de outubro de 2021 às 20:51
Claro, Desirée, você nem precisava ser lembrada disso. Conheço seu trabalho e sei que é ótimo.E trate nos dar muitos belos textos.
Obrigada pela leitura e pelo comentário.
Grande abraço.
Marco Antonio Belchior da Silveira
12 de março de 2022 às 12:13
Francisca, acho que escrever é, antes de qualquer coisa, um ato de coragem, porque a pessoa se expõe, fica vulnerável. E não há ser humano perfeito, que não tenha vaidade, e é claro que as críticas machucam. Mas é preciso insistir em travar esse combate. Estou relendo Dom Quixote, de Cervantes, e acho que quem escreve tem um pouco do fidalgo que sai a combater gigantes e moinhos de vento. Ele se machuca, cai, mas ele acredita naquilo que persegue, e por isso ele se levanta.
Gostei muito do texto. Obrigado pela dica..
Abraço