Charles Chaplin e a chavinha azul - Maria Francisca

 18 de julho de 2022 

Na década de 70, visitei uma fábrica de refrigerantes em Minas Gerais e achei uma maravilha a automação.

A minha memória registrou assim: um empregado ia colocando as garrafas numa esteira. A esteira ia passando, parava debaixo de um funil, que colocava um líquido, parava de novo, mais um líquido, depois, passava por um empregado, que balançava as garrafas e misturava tudo. E assim por diante, até terminar aquele trabalho e o processo recomeçava, incessantemente, até o fim do dia.

Nas fábricas de chocolate, também vivenciamos isso. E era sempre uma maravilha

Essa maravilha mostrou-se doentia. Na década de 80 já começamos ver o estrago que essa automação causava na saúde dos empregados. A famosa LER, lesão por esforço repetitivo, que deixou muita gente com problemas crônicos e até com perda de movimentos nos braços, nos dedos etc.

Charles Chaplin, lá nos idos de 1936, retratou, de forma bem-humorada, no filme “Tempos Modernos”, o desastre que seria o trabalho daquele tipo. A adaptação do homem às modernas técnicas de administração no pós-guerra foi difícil e sofrida. Quem não se lembra da cena de Carlitos, personagem de Chaplin, saindo pela rua querendo parafusar a todos que encontrava?

E, hoje, como está a automação? Cada vez mais “adiantada”. Nas empresas, nem se fala. E as doenças, também, “adiantaram-se”.

Na vida, no dia a dia, tudo é automático.  Nos cafés e restaurantes, não temos mais aquele belo cardápio, encapado e com desenhos dos alimentos oferecidos. Temos, sim, uma placa, com o tal de QR Code, para você acessar e ler o cardápio. Até nos bancos das Igrejas aqui de Vila Velha, estampado está o desenho “mágico” pra você ler o que precisa, e dar a sua contribuição.

Outro dia, uma amiga a quem eu acompanhava num café, pediu o cardápio ao garçom, mas ele, gentilmente, mostrou o pequeno cartaz sobre a mesa e brincou: quem não vier com celular, fica com fome…

Pois bem. Nos prédios, residenciais, pelo menos, está acontecendo a mesma coisa. Quando não é o porteiro virtual, que já critiquei numa crônica anterior, os moradores devem portar uma pequena placa, simulacro de chave, que, ao ser colocada à frente de um pequeno aparelho, aciona o portão de entrada. Há, também, uma senha que deve ser digitada nesse tal aparelho, para quem não quiser carregar a chave. Em suma, quem esquecer a senha e não tiver a tal chavinha, fica na rua. A menos que você tenha, e tome automação, a fechadura biométrica.

Enfim, tudo para reduzir o valor das taxas de condomínio, ou, o caso das empresas, para aumentar os lucros. Sempre o vil metal.

Hoje, ri de mim mesma: Fiz como Carlitos, de Chaplin. Cheguei ao prédio, precisei acionar a chave duas vezes, pois são dois portões de entrada. Abri um, andei uns poucos metros, acionei o outro e entrei. Quando chequei perto do elevador, saquei a chave e apontei-a para o botão de chamada. Só quando o elevador se manteve na posição, “cai na real” e comecei a rir.

Entrei em casa, imaginando como seria a minha vida se tivesse um trabalho repetitivo. Não me adaptaria. Claro que faria pior do que Carlitos e seria despedida do emprego no segundo dia.

A modernidade, quando exagerada, acaba por matar a pessoa dentro de cada um de nós.

Maria Francisca – 15 de julho de 2022.

 

COMENTE:

10 comentários

  1. Bom dia, confreira Francisca! Sempre ótimas suas crônicas! Continue nos brindando com muitas outras! Abraços fraternos!

  2. Concordo com quase tudo que você escreveu. Menos com a frase em que você diz “não se adaptaria”. Com a sua inteligência e perspicácia jamais isso aconteceria. Parabéns pelo texto.

    • Mas você há de convir, meu amigo, vivemos uma época que, apesar de facilitar, em parte, a vida, nos aprisiona e nos adoece.
      Obrigada e grande abraço.

  3. Saudade tia, adorei o texto!


  4. Leandro Bertoldo Silva
    18 de julho de 2022 às 17:38

    É, minha amiga… Uma vez ouvi a seguinte frase (que se parece com a sua no final da crônica) de um seresteiro de São João Del’Rei: “A televisão matou a janela…” Imagina hoje com essas chavinhas mágicas!

  5. Incrível sua sensibilidade em ver o lado nocivo da automação. Ela tb agiliza o lucro. Mas a saúde dos autômatos acaba indo embora. Ainda tem uma despreocupação para com novas capacitações para q os empregados desmobilizados consigam novas funções e colocações. Fora a promessa dos que ficarem terem mais tempo, pois ao inves de descansarem, recebem novas cargas de trabalho em nome de um aumento de produtividade. O lado bom é para quem acumula, infelizmente. Ótima análise! Bjos

    • Obrigada, caro amigo.
      Hoje, li uma frase ótima de Suassuna. Ele teria dito o seguinte: Exigem tantas qualidades para contratar um empregado que duvido que um patrão possa ser empregado…
      Um dia, inocentes, aplaudimos os “tempos e movimentos”. E deu nisso.
      Grande abraço.

Responder


Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


Receba nossas novidades:

Arquivos por mês: