“Os Passos de Anchieta” é uma caminhada de 100 km, de Vitória à Terra do Santo Anchieta. São 4 dias de estrada. Segundo seus historiadores, os andarilhos percorrem o caminho que Anchieta teria percorrido sempre a pé, da Catedral até a Cidade com seu nome.
Fui andarilha desse caminho por muitos e muitos anos. A pandemia tirou-nos muita atividade, e essa caminhada, que perdi por inércia, foi uma delas. Claro, pretendo retomar, tão logo restabeleça minha força física.
Lembro-me bem e já escrevi sobre isso – Caminhos: prosa e verso, de 2013– sob sol ou chuva, íamos nós pelas areias das praias, ora queimando os pés, ora encharcados de chuva, ora saltitando para não sermos picados por ferrões dos crustáceos ou correndo sobre a restinga, fugindo dos espinhos de arbustos.
Em alguns trechos do caminho, não era possível ir pela praia, simplesmente por não ter praia, ou por haver tanta pedra que seria impossível transitar por ali. Então, subíamos morros, passávamos em florestas, ou por ruas dos bairros.
De vez em quando, algumas casas abriam suas portas para receber os andarilhos que podiam usar sanitários, beber água, ou mesmo descansar. Ocorre que muitos desses andarilhos abusavam da hospitalidade e, depois de algum tempo, ninguém mais queria abrir as portas.
Quando alguém precisava fazer uma necessidade fisiológica, tinha que ir ao mato, mesmo, correndo risco de se ferir ou ser picado por algum inseto.
Certa vez, eu precisava ir ao banheiro, o lugar por onde passávamos era habitado, havia muitas e muitas casas e todas fechadas, como sempre, nesse nosso mundo moderno, onde o medo impera e ninguém descuida.
Entretanto, havia um grande portão, por onde vi, de longe, diversos andarilhos entrando e saindo. Quando eu estava quase chegando perto, o portão fechou-se com um estrondo e alguém gritou: Ninguém mais entra!
Cheguei perto, olhei pra todos os lados. Ninguém por ali. Devagarinho, empurrei o portão. Milagre! Abriu, silenciosamente. Entrei, olhei para todos os lados. Ao fundo do terreno, vi uma casa. Fui em sua direção.
Lá chegando, fiquei a pensar: bato à porta ou não. Bato, resolvi. Só então vi que a porta estava aberta. Outra indecisão: entro, não entro. Decidi: entro.
Entrei, e uma surpresa me aguardava. Era uma grande cozinha e uma família estava à mesa, aliás, uma bela mesa, cheia de guloseimas.
Todos me olharam assustados. Parei, olhei para todos, sorri e disse: A Paz esteja nesta casa!
A porta abriu-se para mim. Todos se levantaram e me convidaram a sentar à mesa. Agradeci e disse que precisava apenas de um copo de água e de ir ao banheiro.
Mostraram-me onde poderia usar o sanitário e, na volta, um copo de água completou a gentileza daquelas pessoas.
Agradeci e sai.
Carreguei comigo, até o fim do caminho, a leveza que senti após o cumprimento de Paz, que ainda sinto, quando me lembro daquele momento.
E, hoje, especialmente, lembro-me dessa história, por ser dia dedicado a Francisco de Assis, o Santo da Paz.
Maria Francisca – 04 de outubro de 2022.