Hoje, 21.07.2019, a Folha de São Paulo publicou uma notícia com a manchete: “Processo leva 63 anos para ser julgado no STF, e até advogados já morreram”. O intuito do autor era ser reconhecido filho de José Cândido de Almeida, morto sem deixar descendentes reconhecidos e, assim, ter direito à herança. Não imaginava a via crucis que teria que passar. O processo chegou ao fim, com a vitória do autor, que, se tiver vivo, terá 87 anos. Os advogados já morreram, segundo a reportagem.
Por isso, ir à justiça cobrar algum direito virou piada. “Vai. Teus bisnetos receberão o direito que pleiteias. Se receberem”. Dirá.
Já me perguntei diversas vezes, diante de situações desse tipo: que direito é esse? E cada dia surgem mais casos e, pior, perto de nós.
Uma amiga falou-me, recentemente, sobre um inventário de sua família, ajuizado há 17 anos, dezessete anos, nem acredito, até hoje sem sentenciar. Caso simples: o falecido deixou três terrenos. São três filhos. Já está resolvido entre eles: um terreno para cada um. Se fosse hoje, nem precisaria dessa ação. Faria em cartório. Maiores todos, de comum acordo sobre os bens…Não se sabe o motivo de tanta demora, mesmo porque nem controvérsia há.
Na maioria dos casos, se há controvérsia, quem pode pagar advogado procrastina o processo até não poder mais. Primeiro grau, Tribunal, TST, STJ, STF, retorna, retorna, retorna…Pobre é sempre pobre. Em qualquer área do Direito. Não vemos todos os dias alguém pagar fiança e responder em liberdade? E quem não tem dinheiro vai para a prisão e lá fica esquecido, se não tiver um filho de Deus que o descubra preso e o ajude.
Mas como diz a música, o pensamento é uma canoa, lembrei-me de um caso ocorrido no TRT-ES, que durou 25 anos.
Posso contar à vontade, porque está no livro “20 anos de Trabalho”, em comemoração aos 20 anos do TRT do Espírito Santo.
Tratava-se de uma invenção de um empregado da antiga Vale do Rio Doce. A ação foi ajuizada em 1986. Ele reivindicava o direito de autoria e queria receber metade do proveito que a empresa pretensamente teve com seu invento. A Vale não concordava, claro. Não havendo acordo, as provas necessárias foram realizadas. A perícia durou muito tempo e contou com 92 quesitos do empregado e 92 da empresa. A sentença só foi proferida em 1999, ou seja, 13 anos depois.
Aí, recomeçaram as idas e vindas. Recursos e mais recursos. Até a incompetência da Justiça do Trabalho foi invocada e rejeitada. Só em 2011, o inventor conseguiu receber seu dinheiro, depois do último recurso ao STF e após refeitos todos cálculos.
Lembrei-me desse processo, por 3 motivos. O primeiro deles, porque foi muito difícil e demorado, mas houve mais duas situações pelo menos interessantes.
Princípio de 2005. Eu presidia a sessão no Plenário. O secretário da Presidência chegou lá apressado e me disse que havia um senhor fantasiado de palhaço na porta do prédio do TRT. Por quê? Ele não sabia dizer. Pedi para chamar aquele senhor para falar comigo. Ele não estava mais lá, disseram. Ficara com medo e fugira.
Pedi para fazer contato com ele. Chamei-o para uma conversa. Expliquei sobre a tramitação do processo, dos recursos, dos prazos. Ele agradeceu e saiu, mas fiquei frustrada e, por que não dizer, com muita vergonha.
Por fim, saiu o dinheiro. Em 2011. Vinte e cinco anos depois do ajuizamento. Não é que a ex-mulher do reclamante conseguiu atrasar mais um pouco? Entrou na Justiça, postulando metade do dinheiro… e levou.
Depois de tanto tempo, o inventor acabou por ficar com uma das mãos abanando…
Assim caminha nossa Justiça. Justiça? Tenho dúvidas.
Maria Francisca – julho de 2019.