Papo com Drummond - Maria Francisca

 17 de agosto de 2019 

Hoje, dia do escritor (25/07) lembrei-me de muitos e, principalmente dos que se foram, ficando imortais com seus escritos. Um dos meus preferidos, Drummond, está eternizado não só em poemas, crônicas e contos, mas na praia de Copacabana, sentado num banco, de óculos, pensativo, como costumava ser.
E recebe muitos visitantes que passam horas ali na Av. Atlântica, em sua companhia, tirando fotos e mais fotos e alguns parecem conversar com ele.
Eu tenho belas fotos sentada ao lado dele e adoro olhá-las.
A estátua fica quietinha, esperando as pessoas, talvez tentando se redimir do silêncio anterior já que, por ser muito tímido, não era de muito papo, tampouco de fotografias ou de entrevistas. Então acolhe os visitantes e aceita todo tipo de exposição.
Pena que nunca puxei conversa, porque ficava tímida perto daquele grande poeta.
Mas Ruy Castro garante que testemunhou inúmeros colóquios de visitantes com ele. Um chega cedinho e o diálogo é muito importante, a julgar pelos gestos. Às vezes, encosta-se na estátua, como se estivesse falando baixo ou tentando ouvir o que Drummond estaria dizendo. Será que ele respondia? Outro vai ao fim do dia, levando agasalho e guarda-chuva para protegê-lo dos dias frios ou chuvosos. E fica ali grande tempo, cuidando dele. Outros vão lá só para roubar os óculos do coitado que, já velhinho, não consegue reagir.
Aí, a curiosidade toma lugar: o que será que conversavam?
Ah, se eu soubesse disso antes! Teria tentado uma conversa. E a primeira coisa seria um pedido de desculpas. Sim, porque a primeira vez que ouvi o poema “No meio do Caminho” morri de rir. Coisa mais sem pé nem cabeça, pensei. Aliás, todos que se encontravam no teatro Santa Clara, riram. Foi uma gargalhada geral. Todos jovens, ora.
Eu não sabia nada de nada, nem conhecia a história do poema, mas poderia ser desculpada pelo Drummond, porque o poema, em verdade, sofreu sérias críticas de especialistas, pela repetição, principalmente.
Depois, pouco a pouco, conheci grande parte de sua obra, e tomei-me de amores por ele. Li e reli seu poema, publicado logo depois do falecimento de seu filho, 1928, na Revista de Antropofagia. Eu nunca poderia imaginar. Essa era a pedra no seu caminho, o sofrimento por que passara. Com o poema ele processou esse acontecimento triste em sua vida, dizem os analistas.
Se pudesse, outra conversa que teria com ele seria sobre o poema “Para sempre”, maravilhoso, singular, publicado em 1965, cujos versos finais nunca esqueço, porque além de belos, são verdadeiros: “Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho”.
E a canção que (…) “faça acordar os homens e adormecer as crianças?” E o poema que cito sem parar, talvez para servir de incentivo a mim mesma: (…) “prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação”. Em “Os ombros suportam o mundo.
E crônicas? Falaria apenas de uma pra não encompridar muito o papo: “A menininha e o gerente”. No final, a menininha fez o gerente sentir saudade da filha. Sinto a saudade junto com o gerente todas as vezes que leio a crônica. E fico emocionada.
Teria muito mais coisa para conversar com ele. Mas só se ficasse ali grande tempo. Os visitantes costumeiros deixariam? Os que cuidam do frio e da chuva?
Por fim, pelo menos mais um poema eu lembraria antes de desocupar o canto.
Já citei esses versos até em sentença, tratando da terceirização. “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.”. O nome do poema: “Quadrilha” (sem trocadilho, por favor).
É, Drummond, perto de minha mãe e de sua obra, sou um grão de milho.
Maria Francisca – 25 de julho de 2019.

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2 comentários


  1. José Roberto de Oliviera
    9 de setembro de 2019 às 00:02

    Parabéns amiga! Bela visita que fez ao nosso Drummond. Riu…em tempos idos! Chorou com “o gerente” e esses e outros sentimentos perpetrados pelo estilo Drummond de se expressar convence-me que você saiu e ficou fortalecida pela presença benfazeja do festejado autor e de sua mamãe valorosa você robusteceu-se de energia e muito vigor cultural e de conhecimento da “Universidade da vida”. Se não entendeu ou não creu: vide propriedades do milho!

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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