Meus netos pequenos sempre gostaram de brincar na banheira. Gabriel e Daniel, muito amigos, hoje rapazinhos, jogavam água pra todo lado e eu comprei uma seringa daquelas grandes, de plástico, descartáveis, para desafios. Um jogava água no outro e adoravam. Um dia, a seringa sumiu. Procurei, procurei e, então, perguntei a eles: Cadê a seringa? Um olhou pro outro (já vi que havia coisa errada) e o mais velho disse: Dani jogou pela janela. De imediato, Dani disse, apontando o dedo para o Gabriel, enfático: CULPA SUA!
Lembro-me dessa história e penso ser uma atitude natural de defesa atribuir a outrem, num primeiro impulso, algo errado ou inadequado que fazemos ou que nos acontece.
Outro dia, andando pelo centro de Vila Velha, tropecei, e um “engraçadinho” logo disse: “Levante o pezinho”… Claro, se ele não dissesse isso, eu já ia dizer que a culpa era do buraco, como já disse Leandro Karnal: Até quando tropeçamos, atribuímos nosso percalço ao piso irregular.
Como já aprendi a lição, não digo mais que é culpa da “calçada cidadã”, quando dou de cara com um poste e saio com braço e pernas ensanguentados, mesmo numa beira de calçada toda quebrada. Tropecei e quase caí, porque estava olhando para uma moto e me distraí.
E se não temos as coisas, culpa do Estado, porque o hábito de querer tudo fácil está em nós. Ora, tão bom quando os bens de que precisamos está ao nosso alcance, sem esforço, não? De preferência, quando vem do Poder Público. Pagamos imposto, ora. A eterna mania.
Lembro minha infância no Curso Primário, correspondente, hoje, à primeira parte do Ensino Fundamental. Os alunos compravam uniformes, livros, cadernos etc. Somente os muito pobres, quase miseráveis, é que ganhavam a merenda (palavra hoje fora de moda, substituída por lanche). Eu tinha muitos colegas nessa situação. Eu era pobre, mas não miserável. Então, meus pais compravam tudo.
Hoje, em escola pública, alunos ganham uniforme, material e lanche.
Há pouco tempo, no trabalho voluntário que realizava nas escolas, acompanhava alunos a uma visita ao TRT e vi que não estavam com a camisa do programa. Questionada, a professora disse que não havia recebido o fardo com o material (e não havia, mesmo). A Escola também não recebeu os uniformes. Mas muitos meninos usavam camisa de marca e celular de última geração. Podiam comprar camisas caras e celulares, mas o uniforme o governo tem que dar. Não tinham uniforme por culpa do Governo Municipal.
E a enchente? Vila Velha sofreu, em maio, com uma chuva torrencial e demorada, com alagamentos terríveis em diversos bairros, principalmente em Cobilândia, onde até o hospital é vulnerável e os pacientes tiveram que ser retirados às pressas.
Criticamos as autoridades, claro, elas têm sua parcela de responsabilidade. Inclusive, há pedido de investigação ao Ministério Público, mas devemos pensar na nossa quota de culpa.
Praia da Costa e Itapoã foram bairros que ficaram debaixo d’água em diversos pontos.
Façamos nosso exame de consciência.
O lixo jogado em locais inadequados é culpa do poder público? A sujeira que os lindos cachorrinhos fazem nas calçadas e nas ruas é culpa do poder público? O lixo no valão é culpa do poder público? Até sofá jogam no valão… Quem jogou foi o Prefeito? Quando os bueiros entopem, quando a maré sobe trazendo sujeiras e mais sujeiras, a culpa é de todos nós, que não cuidamos da casa onde moramos.
É só passar bem cedo, na segunda feira, pelo calçadão, que se vê a quantidade de lixo nas calçadas, na areia da praia e até cocô de cachorro, apesar do brado de alguns voluntários, na areia, aos domingos, pedindo às pessoas para recolherem seu lixo.
Como diz Leonardo Boff, o homem continua acreditando que é o centro do universo e que o conjunto de seres da natureza somente possui razão de existir na medida em que serve ao ser humano, que pode dispor deles ao seu bel-prazer.
E assim vamos caminhando, porque não tenho que me responsabilizar por nada. Nem pelos percalços da vida.
Agora, se você não gostar do que escrevi, CULPA SUA!
Maria Francisca – Junho de 2019.