Rubem Alves afirmou, certa vez, que fomos educados para ser ferramentas. E tem razão. Não se pode simplesmente ficar sem fazer nada. Quando pedi aposentadoria, muitos me perguntavam: O que você vai fazer quando aposentar-se? Nada, claro, eu respondia, para espanto das pessoas. Aposentou-se tão cedo! Por quê? Quando não pensam que estamos doentes e passam a dúvida pra frente: Será que está doente?
Agora me perguntam: Tem viajado muito? Não, não tenho viajado. Por quê? Às vezes respondo: Porque não tive vontade ou por pura preguiça. E sempre causo espanto. Nossa, seu filho mora na França e você ainda não foi lá? Aproveite…Dizem.
É que, se não estivermos trabalhando, temos que viajar, dançar, ir a festas, em suma, badalar e, de preferência, postar tudo muito bonito nas redes sociais. Ninguém lembra que podemos ter outros interesses, como um trabalho social, escrever, ler, ou, simplesmente, ficar em casa sem fazer nada ou fazendo algum serviço doméstico. Se alguém disser que não está fazendo nada, Deus me livre! É um espanto só.
Esses dias, conversava com uma amiga que estava em férias. Ela disse: Optamos por ficar por aqui, mesmo. Estávamos cansados, com pouco dinheiro...Eu disse: Olhe, às vezes você descansa muito mais ficando em casa, do que viajando. E viajar nas férias virou obrigação. Tudo que vira obrigação deixa de ser lazer.
Hoje, a palavra de ordem é “qualidade de vida”. Temos que ter qualidade de vida, de qualquer jeito. E isso vem a ser o quê?
Um amigo contou-me que fez um curso na empresa onde trabalha e que a facilitadora foi separando os grupos: quem tinha algum hobby, quem praticava esporte, quem fazia exercício físico. Ao fim, sobraram três, ao que um deles perguntou: Não vai ter um grupo de quem gosta de ficar à frente da TV vendo jogo de futebol e comendo batatas fritas, não? E, diante da cara de espanto de uns e das gargalhadas de outros, emendou: Já joguei futebol, fui mergulhador, nadador, lutador de judô…Em suma: já fiz isso tudo. Agora, não faço mais. Decidi dedicar-me à minha carreira. Gosto do meu trabalho, trabalho muito, chego cansado e quero ver meu futebol na TV e comer minhas batatas. É pecado? Não sou um workaholic, mas worklovers. A facilitadora sacou o plano B de script, desconversou, e levou o grupo para uma atividade lúdica.
Claro que devemos cuidar do nosso corpo e de nossa saúde. Como disse o Padre Helder, o nosso corpo pede espaço, tempo, atenção, alimento e, sobretudo, nos pede descanso e bem-estar, inspiração e contemplação. Mas tudo depende de cada um. Das escolhas. E nenhum de nós pode saber o desejo do outro, o interesse que cada atividade ou ação desperta nas pessoas que nos cercam. Seja de quem escolhe ficar em casa nas férias, sem fazer nada, seja de quem quer “badalar” por aí, viajar ou internar-se numa mata, fazer retiro ou coisa que o valha. Não por estar na moda, mas porque avaliou e conhece suas vontades e necessidades.
O Eclesiastes já nos dá a lição de que há um tempo para tudo debaixo do sol. Tempo de plantar, tempo de colher, tempo de guerra e tempo de paz, tempo de falar, tempo de calar.
Eu fui aprendendo a viver segundo meus desejos e minhas necessidades, sem me preocupar com a ferramenta, porque se fosse pensar nisso, aposentadoria, nunca. Nunca, não. Há a expulsória…
Penso, sigo, passo.
Cedo espaço
Pros que hão de vir.
Maria Francisca – maio de 2019.