Não sou perfeito
Estou ainda sendo feito
E por ter muito defeito
Vivo em constante construção
(Lamento dos Imperfeitos. Padre Fábio de Melo)
Um dia, passando minhas compras no caixa de um supermercado, observei os uniformes diferentes das moças que atendiam. Curiosa, perguntei o motivo. A empacotadora, virou as costas e vi escrito: Aprendiz. Ah! Eu também sou aprendiz. Aprendiz? Elas esperavam minha resposta. Eu completei: de feiticeira. Elas riram. Perceberam a brincadeira, claro. Eu aproveitei pra dizer: na vida, todos somos aprendizes. Basta termos a mente aberta ao mundo ao nosso redor. Aprendemos todos os dias, acrescentei. Ambas ouviram atentas e concordaram.
Fui professora de ensino fundamental e médio por um bom tempo, já que minha formação inicial foi magistério. Deixei essa bela profissão, porque a minha sobrevivência estava em jogo. Não tinha dinheiro nem sequer para comprar um agasalho para o frio, ou um sapato, quando o antigo rasgava. Já andei de chinelo e agasalho emprestado. O Estado atrasava demais o pagamento e os professores ainda tinham a obrigação de pagar (a palavra era esta: pagar) caixa escolar. Era estabelecido um valor e o professor pagava. Ninguém queria saber de onde vinha o dinheiro. E alguém podia reclamar? Vivíamos na ditadura.
Vejo que hoje a situação continua a mesma. Professores sem dinheiro, merendas sendo roubadas, caixa escolar vazia, escolas sucateadas e por aí vai. Uma tristeza.
Há algum tempo, o noticiário deu-nos conta de que em Juazeiro do Norte o Município teria reduzido 40% do salário dos professores, o que causou choro e revolta dos profissionais. Fico imaginando o que sente um político que vota uma matéria dessas.
Dias atrás, estava “bombando” o RX da educação. O jornal (A Gazeta) anuncia: “O Estado fica em 1º no ranking nacional, mas meta não é alcançada”. Como alcançar meta com tanta dificuldade? E, mais, a reportagem fala de escolas campeãs. Não são as que mais têm dinheiro, mas as que têm foco na valorização do professor e na aprendizagem.
Então, o recado está dado: o foco na aprendizagem e a valorização do professor. Creio nisso e espero que nossos governantes, quando estiverem lendo e escrevendo, pensem em quem lhes ensinou.
As minhas andanças pelas escolas, com o trabalho voluntário que coordeno no Estado (Programa Trabalho, Justiça e Cidadania) trazem muitas alegrias, mas também muitas tristezas. Alegro-me quando vejo professores comprometidos, vocacionados, entusiastas, cuidando de alunos com necessidades especiais, ou indisciplinados a mais não poder, que é a regra de nossos adolescentes sem limite. Entristeço-me quando vejo professores desmotivados, que vão para as salas, cumprem a obrigação mal cumprida, e se vão, sem o menor pudor ou remorso. Não querem nem olhar para trás. Com tanto problema, não é de se admirar a falta de entusiasmo de muitos. É a humanidade deles falando mais alto. Quem pode condená-los?
Ali, embora cada um deles seja um aprendiz dos ensinamentos do professor e da mensagem que o TJC leva, o aprendizado maior é nosso, porque vemos um mundo em que, apesar de todas as dificuldades, da luta e do sofrimento, ninguém quer abandonar a batalha porque espera uma vida melhor.
A maioria dos professores trabalha em mais de uma escola. À noite, já estão cansados (sinto isso quando olho para aqueles rostos que, mesmo assim, sorriem para mim) e têm que lidar com essa realidade difícil. Acho que eles, para encontrar forças, como diz a música de Padre Fábio de Melo, em noite de céu apagado, desenham estrelas no chão…
Volto pra casa, eu, a mais imperfeita dos imperfeitos, pedindo a Deus uma mente aberta e liberta para continuar em construção.
Maria Francisca – novembro de 2018.
Arildo de Jesus
4 de novembro de 2018 às 22:37
Boa noite, Francisca,
Você conta suas histórias com bastante facilidades !
Os destinos de muita gente depende do saber ouvir. Em 1954, eu tinha 12 anos e minha mãe insistia que eu fizesse um cursinho para ingressar na ETV – Escola Técnica de Vitória, hoje IFES, que ela pagava com certo sacrifício e, graças a Deus tive sucesso. Foram os melhores anos de minha vida, onde se tinha bons Professores, disciplina, alimentação completa, curso profissionalizante (fiz marcenaria), esportes, coral, etc, etc.
Imagine o que seria eu se não tivesse essa oportunidade !
mariafrancisca
10 de novembro de 2018 às 14:18
Pois é, Arildo. Você valoriza o professor. Mal de nós se não fossem eles. Grata pela leitura e pela gentileza do comentário. Grande abraço.
geraldo de castro pereira
4 de novembro de 2018 às 22:48
Bela crônica. Fez-me lembrar das agruras pelas quais eu passei em minha juventude. Parabéns, escritora Francisca!
mariafrancisca
10 de novembro de 2018 às 14:16
Grata, Geraldo. Você é sempre gentil. Grande abraço.
mariafrancisca
10 de novembro de 2018 às 14:17
Nós temos uma história parecida, não é?
Fernando Dias dos Santos
17 de dezembro de 2018 às 20:36
Antes ouvia, agora leio. Sempre o mesmo entusiamo! Abraço
mariafrancisca
1 de fevereiro de 2019 às 14:14
Fernando, fico feliz que esteja lendo. Fiquei um tempo sem acessar o blog. Acho que hibernando, por isso, demorei para ver seu comentário. Peço desculpas. Tenho saudade de nossos papos. Apareça para um café. Grande abraço.