BICHO MIÚDO? - Maria Francisca

 1 de setembro de 2018 

Artigo de Sardenberg, há pouco tempo, falava sobre corrupção. De pequenas coisas que vão se avolumando, crescendo… “O que há por trás disso, antes de se falar em corrupção? A falta do “sentido da coisa pública”. O cliente do INSS acha que não tem nada demais cavar um auxílio-doença. O médico, apressado, com uma fila enorme para atender, vacila, mas, vá lá. […] . “Se não tem responsabilidade pública, se a gestão é frouxa, se parece que ninguém está ligando a mínima, por que não botar a mão na grana de verdade?”.

Isso ocorre, sim, concordo com ele, mas em todos os espaços. É o jeito brasileiro (nem sei se é só brasileiro) de fazer as coisas. Começa aos poucos e vai se alastrando na vida do indivíduo pela certeza de não ser punido. Deu certo uma vez, duas e, assim vai.

Li uma reportagem que fala sobre vazamentos de trabalhos gravados que ainda não foram ao ar. As pessoas roubam as cenas e vendem a revistas, jornais etc. Numa entrevista, o sujeito que usava dessa estratégia, não aparecendo, claro, disse que todos faziam, ele resolveu fazer também. Ninguém via, fez diversas vezes, deu certo, agora ganha um bom dinheiro.

Em Belo Horizonte, há muitos anos, precisei de uma procuração por instrumento público, telefonei para o cartório, falei que precisava do documento naquele dia, deram-me o preço. Na hora marcada, conversei com a escrivã, informei meus dados, o do procurador, os termos do mandato, como de praxe, e ela me deu a nota para pagar. Vi que o valor era menor e disse isso. Recebi a explicação de que ela havia errado no preço. Quando cheguei ao caixa com aquela nota, o caixa falou alto para a moça que me dera a nota: a nota está errada. E a taxa extra? Que taxa extra, você está doido? Foi a resposta dela. Ele ainda insistiu: não era urgente? Que é isso, rapaz? Foi a resposta e o caixa calou-se. Aí, percebi que teria uma taxa extra, mas ela, ao ver a minha carteira de juíza, retirou-a, mais do que depressa. Era um pequeno valor. Bicho miúdo? Não sei.

Mas esses dias ouvi uma história que me causou arrepio. Um amigo estava desempregado e disse que procurou trabalho de gari. Um amigo dele, pobre como ele, prometeu arranjar o trabalho, mas ele precisaria pagar trezentos reais para conseguir o emprego. Dá para acreditar nisso? Pobre explorando pobre.

Os grandes atos corruptos, aliás, nem sei se podemos dizer grandes ou pequenos, porque todos são horríveis, vemos todos os dias nas notícias, ainda mais de uns tempos para cá, com as redes sociais de vento em popa.
Os casos que relatei podem ser bicho miúdo, na visão de Sardenberg, mas esses “pequenos” atos sórdidos vão crescendo, crescendo… E depois, ninguém segura.

Qual será o remédio para esses males, doutor?

Fico a pensar.

Maria Francisca  –  agosto de 2018.

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8 comentários

  1. Grande reflexão, Maria Francisca! A corrupção está em quase tudo.

  2. Uma ótima crônica, Confreira. Pois é… A corrupção não é exclusividade dos políticos, ela vem da fonte de onde eles nascem, vem do povo.


  3. Maria Wilma de Macedo Gontijo
    3 de setembro de 2018 às 00:06

    Qual será o remédio para esses males, doutor?

    Você fica a pensar, cara Francisca. Pense muito, porque a corrupção é uma hidra de mil cabeças, maior e mais potente do que a Hidra de Lerna, da mitologia grega, da qual, se cortada uma cabeça das três que possuía, nasciam duas novas no seu lugar.
    Mas há remédio, sim. Em Cingapura, limparam a Cidade-Estado.
    Foram feitos investimentos maciços em educação, tecnologia e moradias, quando foi criado o Estado de Cingapura, deixando para trás um entreposto onde miscelânea de povos oriundos de “n” lugares ali viviam em meio à maior criminalidade.
    Isto aí: investimentos maciços em educação, tecnologia e moradias!

    • Pois é, Maria Wilma, quando nossos governantes pensarem mais no povo do que no projeto de poder, quem sabe? Obrigada pela sua atenção e pelo comentário.
      Grande abraço, querida amiga.


  4. geraldo de castro pereira
    27 de setembro de 2018 às 16:13

    Excelentes os microcontos, Francisca! Deliciei-me! Aplausos!

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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