FICAR PRA SEMENTE? EU, NÃO! - Maria Francisca

 12 de março de 2018 

Os bosques apodrecem e se extinguem
A nuvem se desfaz em chuva sobre o solo
E o homem lavra a terra, e sob a terra jaz,
E após muitos verões também o cisne morre.
Tennyson (Apud Huxley)

Terminei a leitura de “Muito além do inverno”,  de Isabel Allende, e deu-me vontade de reler “A casa dos Espíritos”, só para relembrar a história de Clara, sem me preocupar com a parte política do livro (excelente, aliás), porque nossa situação nesse campo está tão confusa, que… Bem, Clara, sem doença alguma aparente, soube que iria morrer, aceitou-o e começou a preparação espiritual, segundo  sua crença. Morreu ainda jovem, e em paz.
Relembro “Também o Cisne morre”, de Aldous Huxley. Conta a história de um ricaço, como dizíamos antigamente, que contratou um médico inescrupuloso, por uma soma fabulosa, para realizar pesquisas sobre a longevidade, no intuito de protelar a morte. Mesmo depois de visitar uma figura longeva, mas de aparência simiesca, decidiu se submeter à experiência. No final do livro, o dito médico mostra ao milionário o resultado de sua pesquisa: pessoas transformadas em monstros ambulantes. Ou, como na contracapa do livro: Huxley termina a sátira ao desejo de viver eternamente, com uma nota de horror.
Por uma dessas coincidências, uma reportagem no Jornal A Tribuna: “Transfusão de sangue para voltar à juventude!” Será? Está escrito: “Milionários pagam caro por transfusões para se manterem jovens, técnica baseada em estudos do século XIX realizado com ratos”. Já havia lido sobre essa experiência e pensei na época: Credo! Nada mais há para inventar. Daqui a algum tempo, mudam o rumo da pesquisa e falam que não deu certo. Agora, o assunto volta à tona e a reportagem registra a fala do médico Jesse Karmazin para quem o tratamento reverteria o envelhecimento e curaria muitos males, como o diabetes e o Alzheimer.
Já falei sobre a longevidade (no livro “Caminhos”). Citei o personagem Saint Germain (de uma sátira de Humberto Eco), longevo de mais de 400 anos, mas jovem. Claro, uma sátira.
O problema da velhice não é a velhice, mas a doença. E, como disse a médica especialista em cuidados paliativos, Ana Claudia Quintana Arantes, “Quando a doença encontra um ser humano, ela produz uma melodia única, que se chama “sofrimento”. As doenças repetem-se nas pessoas. Mas o sofrimento, não. O sofrimento é único, cada um tem o seu, porque o ser humano é único. E na hora da doença é que toma consciência de sua finitude.”
E as doenças não cessam de surgir. Encontra-se a cura de uma, aparece outra. Agora, já se fala na vacina quadrivalente contra gripe, porque o vírus modifica-se e a trivalente já não serve.
Mas seria uma maravilha ser velho com aparência e saúde de jovem, como na sátira de Humberto Eco. E a pesquisa de hoje pretende justamente isso, pois fala da cura de doenças e renovação celular. Trata-se, entretanto, do resultado do primeiro teste clínico, como teria dito o médico. E, se essa tese prevalecer, não será minha geração que verá essa novidade que nem sei se é tão maravilhosa assim. Viver, viver e viver…Renovaria minha cabeça para eu pensar como jovem? Ou eu sofreria vendo as mudanças sem conseguir adaptar-me a elas? Eu não teria mais doença alguma? Seria uma velha resmungona e chata? Ninguém me toleraria e eu viveria isolada. Ah! que ideia! Ninguém fica pra semente.
Aí, já começo a imaginar-me uma semente. Aqui em casa tem brotado tudo. As cebolas de cabeça na geladeira, a gengibre no cesto, as batatas-doces…E ficam ali com seus brotos crescendo e enfeitando a cozinha, pelo menos por um tempo. Depois, fenecem, sem terreno propício para continuarem vicejando. E eu? Já imaginou se eu for ficando velha, ou, então, com essa nova experiência, começar a brotar? O que poderiam fazer com os brotos? Não teriam que me plantar para começar tudo outra vez? Não, aí já é demais.
Então, ficar pra semente? Eu, não!
Como no poema de Tennyson:

“Os bosques apodrecem e se extinguem
A nuvem se desfaz em chuva sobre o solo
E o homem lavra a terra, e sob a terra jaz,
E após muitos verões também o cisne morre.”

Por que eu, simples criatura humana, ficaria imortal neste mundo? Quando Deus quiser, partirei. E é bom que eu não saiba a hora, porque não teria a sabedoria e a aceitação da Clara, de Isabel Allende.
E você?

 

 

 

 

 

 

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2 comentários


  1. Maria Wilma de Macedo Gontijo
    12 de março de 2018 às 23:42

    Como uma vez disse o nosso querido e saudoso Chico Anísio, também eu o digo: não tenho medo de morrer; tenho é pena de deixar esta vida tão boa, este mundo tão bom! Mas estou com você, querida Francisca, não quereria ficar para semente. Paradoxal? Talvez …
    Muito lindo e motivador este seu texto. Adorei! Bjs

    • Maria Wilma, ninguém gosta de falar sobre a morte. Veja que só você comentou. Jeanne Bilich, uma escritora daqui, me falou sobre isso certa vez. Ela escrevia semanalmente no Jornal “A Gazeta”. Recebia inúmeros e-mails depois. Quando escreveu “A Cerimônia do Adeus”, lembrando Simone Beauvoir, só eu falei algo com ela.
      Um abraço.

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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