Moça, senta aqui… - Maria Francisca

 29 de junho de 2016 

Mulher sentada

O sol já ia alto, quando resolvi sair para uma caminhada. Ia me esquivando aqui e acolá, procurando proteção numa sombra qualquer, naquele dia claro e belo.

De repente, vi um homem, típico morador de rua: com um saco às costas, sujo, barbudo, de tênis zurrado, descabelado. Andava devagar. Depois, parou perto de uma daquelas árvores com frutos verdes e tentava tirar algo de bolso (Uma arma, talvez?). Em estado de alerta, estaquei. Era um pedaço de pau que, com certeza, usa para defender-se à noite. E ali, para quê? Para cutucar uma daquelas castanhas verdes, de que nem se sabe o gosto ou, mesmo, se são comestíveis, se venenosas, derrubou e começou a comer. E quem tem coragem de parar e perguntar se está com fome, coragem (e até temeridade) de levar para casa para acolher, como fazia minha mãe? E a violência? E o medo? E assim vamos levando essa vida absurda, nesse mundo absurdo, sem qualquer solidariedade com o próximo. Cada um por si, onde Deus não é por ninguém, claro.

Aí, passo perto de um outro barbudo, sentado frente a uma esteira, com alguns pequenos objetos decorativos que, penso, pretendia vender. Só que ele, a cada passante, gritava, Fulano é pedófilo! Fulano é pedófilo! Citava cada hora um nome de um apresentador de TV. Agora, quando vejo na TV uma das pessoas citadas, lembro-me do barbudo e penso: qual seria a intenção dele? Só loucura?

Mal acabava de pensar numa figura, aparecia outra. Uma moça loira, bonita, entrava debaixo do chuveiro, saia correndo, gritando: Água, água, quem paga a água? Água, água, quem paga a água?
Será que ela estava pensando no desastre da água do Rio Doce ou alegre por estar debaixo do chuveiro e com aquele desperdício todo?

Na volta, sentada num banco, com uma bolsa ao lado, uma senhora magrinha, singelamente vestida, chamou-me: Moça, senta aqui comigo um pouquinho! Entre curiosa e temerosa, relutei um pouco, mas sentei-me.
Ela começou a falar baixinho, com o olhar distante, como se estivesse sozinha. Pois é. Fui muito, muuuuiiiitoooo rica. O tempo passou e eu ficava pobre. Até que empobreci de vez. Pobre, só pobre. Não. Miserável, não. Mas resolveram que estava caduca e me colocaram num asilo. Fugi. Acharam-me. Viram que eu não era caduca… Deixaram-me em paz… Filhos…sumiram todos. Ninguém vem me ver. Continuou assim, cada vez mais baixo…Eu mal conseguia entender. Quando senti que ela dormia, levantei-me e sai devagar.

Vim para casa pensando naquilo tudo que vi, todos solitários, e, principalmente, naquela senhora idosa. Não parecia doente, tampouco moradora de rua. E os filhos, por onde andariam? Seria devaneio?
No meio de uma multidão e sozinhos. Sinal dos tempos?

Maria Francisca – janeiro de 2016.

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7 comentários

  1. Doutora e Amiga Francisca. parabéns pela iniciativa e pela lição que nos ensina com suas crônicas. Você com este jeito simples de ser e nos mostrar o dia a dia de cada um de nós.
    abraços
    Hermínio

  2. Drª Francisca, infelizmente vivemos em uma sociedade capaz de desabrigar os loucos, os portadores de sofrimento mental, os diferentes, os divergentes, uma sociedade de exclusão. solidariedade! Como ser solidário envolto no medo. Pobre raça humana. sentimento ou uma ação boa de alguém isso já não existe mais,eu já me conformei,já estou aqui dentro do meu eu,pensando
    em tantas coisas.Solidão de não apenas em ficar em um canto só, mais solidão da alma.

  3. Essa tirou lágrimas…

  4. Muito boa a crônica! Gostei.

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Maria Francisca Lacerda
Poeta e escritora.
Espírito Santo - Brasil.


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